Piquete farroupilha que fala três línguas

Piquete farroupilha que fala três línguas

Além dos já tradicionais chimarrão e churrasco, os visitantes do local podem ser surpreendido por uma recepção com placas de boas-vindas em português, inglês e espanhol e recursos de acessibilidade, como rampas

Felipe Falero

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Quem chega ao Trio da Canha, o piquete número 261 do Acampamento Farroupilha, no Parque Harmonia, em Porto Alegre, além dos já tradicionais chimarrão e churrasco, pode ser surpreendido por uma recepção diferenciada. Este é o segundo ano em que o administrador do espaço, o chef de cozinha José Luiz Fernandes, 60 anos, natural de Porto Alegre e atual morador de Florianópolis, em Santa Catarina, instala placas na frente do piquete dando as boas-vindas aos visitantes nos idiomas português, inglês e espanhol, além de disponibilizar recursos de acessibilidade, como rampas, para melhor acesso de pessoas com mobilidade reduzida ao galpão.

Os projetos tiveram o auxílio da esposa, Ana Guilhermina Machado Reis, descrita por ele como a “designer” do piquete, cuja sede regular fica no bairro Belém Velho, na zona sul da Capital, e que integra a estrutura do acampamento há 24 anos. Os indicativos nas três línguas, pintados por Ana, chamam a atenção dos turistas, que passam a conhecer um pouco da cultura gaúcha com mais facilidade na comunicação. “No ano passado, recebemos muitos norte-americanos, japoneses, mas também colombianos e nossos hermanos argentinos”, conta Fernandes.

A ideia da rampa também veio de uma demanda observada pelo administrador, já que cadeirantes circulavam pela área com bastante frequência, mas não conseguiam adentrar os piquetes, cujo acesso é, em grande medida, coberto de terra ou brita. “Fomos pioneiros na colocação das rampas e hoje vemos que isto entusiasma as pessoas. Outros piquetes as colocaram depois”, recorda o administrador.

O nome Trio da Canha é uma homenagem aos membros Jailton, Riboli e Geraldo, sendo que o primeiro é irmão de José Luiz e patrão do piquete. Afora as placas, a decoração do espaço não deverá fugir do tradicional do acampamento e contará apenas com as bandeiras do Brasil e do Rio Grande do Sul, conforme explicou Fernandes, que relata “dormir” no local por 40 dias, incluindo os períodos de montagem e desmontagem. Não é incomum que outros piqueteiros realizem o mesmo durante este processo.

Na visão do administrador e dos demais membros, o sentido da colocação das indicações dos idiomas falados também está relacionado com os sentimentos de integração e pertencimento após a pandemia, já que houve perda de contatos durante o período mais crítico da Covid-19. Ainda no ano passado, o piquete trouxe outra inovação, desta vez social, ao arrecadar tampinhas de plástico e latinhas, doadas a creches e instituições filantrópicas para geração de renda. Segundo Fernandes, foram obtidas 32 mil tampinhas em 2022 e as latas ele afirma não recordar a quantidade. Neste ano o projeto deverá ocorrer novamente. 

A formação profissional do administrador do piquete o fez trabalhar nos últimos 30 anos nos Estados Unidos, onde passou mais tempo, México, Colômbia e países europeus, mas suas raízes gaúchas e porto-alegrenses permanecem mais vivas do que nunca. O casal José Luiz e Ana tem dois filhos, Denian Reis, 31, e Saile Fernandes, 25, além de muitos amigos que auxiliam na lida diária. No espaço, não faltam os tradicionais bailes e a comida com toques especiais, graças à vocação do chef, a exemplo de arroz carreteiro e saladas. 
Atrás do palco, os membros do Trio da Canha montaram um bufê, no qual “a pessoa chega, não importa de onde venha, come e não paga nada, somente as bebidas”, relata ele, acrescentando que o espaço fornece itens como sal, papel toalha e tábua de cortar. “Todos sempre são bem recebidos aqui.” Tamanha solidariedade já rendeu histórias curiosas e experiências únicas, tanto para os turistas, que deixam o Trio da Canha levando no coração um pouquinho da calorosa receptividade gaudéria, quanto para o próprio piquete. 
No ano passado, por exemplo, dois grupos, um de moradores dos Estados Unidos e outro da Colômbia, se encontraram no local. “Ambos não conheciam nossa cultura e acabaram interagindo entre si”, relata Fernandes. Isso, somada à rede de contatos que o chef mantém até os dias atuais no exterior, acaba fazendo com que o espaço reforce seu caráter de ponto de referência para o público estrangeiro. Sendo assim, diversas pessoas já fizeram contato para retornar ao local.

Aliando o tradicional com o inovador, o Trio da Canha não destoa dos demais espaços do Acampamento Farroupilha de Porto Alegre, que começou dia 1º e segue até dia 20 no Harmonia, no aspecto de cultivar o amor pelo Estado. Contudo, abraça a diversidade ao ampliar as possibilidades de diálogo e acesso a estrangeiros e pessoas com deficiência, obtendo o devido destaque por isso. “Estamos muito felizes com a proposta que nos permitiram fazer. Com certeza muitas pessoas virão e poderão ter esta experiência. Faço a interface para as pessoas que não sabem falar nosso idioma, e, quando se vê, já todo mundo senta junto e fica amigo”, salienta Fernandes. 


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