Um olhar atento à história da Capital

Um olhar atento à história da Capital

O projeto ‘Viva o Centro a Pé’, criado em 2006, proporciona caminhadas e visitações guiadas e gratuitas aos principais conjuntos de preservação patrimonial no Centro Histórico de Porto Alegre

Cristiano Abreu

A iniciativa é coordenada pela Secretaria da Cultura e Economia Criativa do município

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A cultura, a arte e até mesmo o pensamento social e político de um determinado período do passado estão mais presentes pelas ruas de Porto Alegre do que se imagina – e bem diante dos olhos –, ainda que a cotidianamente atrapalhe tal percepção. Em diferentes partes do Centro, praças, esquinas, monumentos e fachadas de prédios guardam a memória dos 250 anos da Capital, com histórias que se oferecem até mesmo ao simples olhar para o ladrilho de uma calçada.

Uma alternativa a quem deseja despertar para esta Porto Alegre é participar do “Viva o Centro a Pé”, que proporciona caminhadas e visitas guiadas e gratuitas aos principais conjuntos de preservação patrimonial no Centro Histórico. Criada em 2006, uma iniciativa é coordenada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Smcec) do município e o primeiro roteiro de 2024 explorou as riquezas arquitetônicas e culturais da Praça da Matriz, da Biblioteca Pública do Estado, da rua da Ladeira e do Paço dos Açorianos. “Os monumentos, a arquitetura, são retratos históricos de uma época, guardam o passado e precisam ser preservados”, destaca o guia do passeio, o professor José Francisco Alves, autor do livro “A Escultura Pública de Porto Alegre”.

O ponto de partida para a aula sobre a capital gaúcha foi o monumento a Júlio de Castilhos. Mais que detalhar as diversas alegorias que compõem o imponente marco ao presidente do Rio Grande do Sul (cargo hoje denominado governador) por duas vezes e um dos autores da Constituição Estadual de 1891, Alves revelou como era a região antes da obra, inaugurada em 1913 . “Aqui havia um chafariz, de mármore italiano, que abastecia a cidade. Só restou o da redenção”, contou o professor. “Este monumento representa um dos grandes símbolos do Positivismo, corrente filosófica desenvolvida na França por Auguste Comte e que norteou a linha de pensamento do Partido Republicano Rio-Grandense, chefiado por Castilhos. O Júlio foi uma das principais figuras da história do RS, faleceu muito cedo (aos 43 anos, em 1903) e à época foi o político mais influente dentro e fora de governo”.

O conjunto reúne elementos de bronze, granito esculpido, e Castilhos ao centro, rodeado de figuras que exaltam a Revolução Francesa, o poder político e o gaúcho do campo. O artista contratado para o trabalho foi Décio Rodrigues Villares (1851-1931), escritor e pintor do Rio de Janeiro que se radicou na França. “A arte e arquitetura francesa estão espalhadas por Porto Alegre, assim como peças e mármore vindos da Itália. Estes dois países possuíam propriedades fortes externas para as esculturas”, pontua Alves.

A parada seguinte foi na Biblioteca Pública do Estado. Os visitantes trocaram rir sobre os elementos que compõem a fachada da construção, datada de 1922. Além de aprenderem sobre a história e o significado da arquitetura e seus ornamentos externos, as 50 pessoas que realizaram uma caminhada conheceram o interior do prédio, em especial as pinturas murais, parte deles em processo de restauro. “A Biblioteca Pública foi concebida para ter brasões na fachada, e, por algum motivo, o projeto mudou para se colocar o calendário positivista, que tinha 13 meses. Cada mês com um patrono da humanidade em um campo de conhecimento, mas acabou que entrou apenas dez patronos na fachada”, indicou o professor José Francisco Alves.

Na sequência, o grupo desceu pela rua da Ladeira, onde a arquitetura das décadas de 1970 e 1980 agora predomina na paisagem, porém que preserva outros prédios históricos da cidade. A parada final foi o Paço dos Açorianos (1899-1901), um dos mais característicos e importantes marcos inovadores de Porto Alegre e concentram a chamada prefeitura velha, construída entre 1898 e 1901, e a Fonte Talavera de la Reina, presente da colônia espanhola em 1935, por ocasião da comemoração do centenário da Revolução Farroupilha.

No interior da antiga sede administrativa, os visitantes conheceram mais sobre a construção do prédio e o significado da decoração estatuária. A escadaria em mármore vinda da Itália, os vitrais com o brasão da República e do Rio Grande do Sul nas janelas, e o Salão Nobre, local de importantes reuniões e decisões.

Novo Olhar

As relações públicas Juliana da Silva Leiria, 35 anos, e a aposentada Aurora Regina Souza, 69, participaram da caminhada orientada pela segunda vez. “Eu retornei porque é sempre interessante conhecer a história, sempre tem uma coisa nova, um olhar diferente para aquele lugar que a gente revisita”, entende Juliana. As duas amigas fotografaram e se mostraram muito interessadas no elevador da biblioteca pública, tido como o mais antigo do Estado – e ainda em atividade. “É importante conhecer a cidade. Agora estou conhecendo”, completa Aurora.

O professor José Francisco Alves destaca que além de compartilhar a história, as características e os especialistas de cada local, o Viva o Centro a Pé busca incentivo à preservação do patrimônio público. “Um dos principais problemas que temos é a conservação do patrimônio artístico histórico cultural e o engajamento das pessoas”. Além das questões relacionadas ao vandalismo, o especialista cita o processo de verticalização acentuado da Capital a partir da década de 1950. “Aqui tinha um patrimônio enorme que se perdeu muito, mas ainda temos bastante coisa. Então vamos preservar o que temos”, lembrou. “No monumento a Júlio de Castilhos, havia uma coroa, uma flâmula com flores, feita em bronze, que resistiu por cem anos, até ser furtada. Era uma peça importante, “um contrabando italiano”. Era um traje inserir peças de arte nos monumentos. Os italianos conseguiram furar o cerco aqui e botaram uma propaganda do monumento a Garibaldi, que estava por ser inaugurado, uma das coisas mais lindas em Porto Alegre”, defende.

Para participar do Viva o Centro a Pé, detalhes específicos devem ficar atentos à divulgação das próximas edições no site da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Smcec). https://prefeitura.poa.br/smc


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