Representatividade LGBT: autores e público buscam validação através da literatura

Representatividade LGBT: autores e público buscam validação através da literatura

Autores voltados para o público juvenil contam histórias com personagens de sexualidades diversas e colocam suas experiências nas páginas dos livros

Lizandra Fonseca / Unisinos

Antônio Schimenek, autor de "Por que eu não consigo gostar dele/dela?"

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Com o crescimento das discussões sobre questões como diversidade sexual, identidade de gênero e relações homoafetivas, muitos adolescentes e adultos até a faixa dos 30 anos encontram na literatura um caminho de afirmação da própria identidade. Autores que fazem parte da comunidade LGBT decidiram compartilhar suas experiências na forma de livros, e usam as redes sociais como principal meio de contato com quem lê. Aplicativos como o TikTok e o Wattpad são os mais usados para garantir esta interação. 

O escritor infanto-juvenil gaúcho Antônio Schimenek, de 45 anos, publicou o livro "Por que eu não consigo gostar dele/dela?", em parceria com a autora carioca Anna Claudia Ramos. Lançado no ano passado e distribuído pela Ama Livros, é a primeira obra redigida pelo autor com essa abordagem e está disponível na 67ª Feira do Livro de Porto Alegre. A descrição do conteúdo, disponível no site da Oficina Raquel, explica: "Se por um lado vemos nas redes sociais belíssimos movimentos de autoaceitação e descoberta, por outro vivemos tempos de grande obscurantismo e tentativa de enjaulamento dos desejos e contenção das experiências dos jovens, seja em casa, seja na escola, e, infelizmente, muitas vezes, com iniciativa do poder público. Este livro pergunta isso para os jovens, que, muitas vezes, se veem aprisionados a uma necessidade cultural (ou pressão familiar) de criar laços heteronormativos, quando, na verdade sentem desejo por pessoas do mesmo sexo. Mas este livro entende também que é preciso levar esta questão para o mundo, para que todos reflitam sobre alteridade, sexualidade e, principalmente, as tantas possibilidade de afeto e desejo".

Schimenek confessa que era receoso quanto a uma possível censura, por considerar que muito do preconceito parte dos pais ou professores, responsáveis pela escolha de adquirir ou não determinada obra. "Meu público não aceita bem. Os adolescentes não têm poder de compra, muitas vezes dependem dos pais ou outro familiar para decidir. E as escolas não discutem certos temas", explica. Ele comenta que é a representatividade se faz necessária no meio literário. "Nós, na literatura, sempre estamos atrasados. E precisamos falar disso", conclui. A Câmara Riograndense do Livro e a organização da 67ª Feira do Livro de Porto Alegre ainda não possuem informações sobre o volume de vendas dos livros voltados para este público. 

A coordenadora estadual da ONG Mães Pela Diversidade, Renata dos Anjos, de 49 anos, recomenda os livros "Longe da Árvore", do autor estadunidense Andrew Solomon, e "De Cadu a Duda", de Dani Balam, publicado pela Editora Cartola. Ela entende que é possível combater o preconceito através da informação. "Temos resultados concretos e ajudamos muitas famílias a se conectar com seus filhos e rever seus próprios preconceitos", afirma. A ativista afirma que os jovens buscam representatividade através da literatura. "A sociedade precisa conversar a respeito, não existe mais espaço para invisibilizar ninguém. As crianças LGBTQIA+ existem, nossos filhos existem. A escola e sociedade precisam se adaptar e rever seus preconceitos estruturais", destaca. 

A escritora mineira Maria Freitas, de 27 anos, é bissexual e retrata personagens LGBT em seus contos. Criadora da série "Clichês em rosa, roxo e azul" (2020) e do recente "Emma, Cobra e a criatura da parede", ela fala que publicou seu primeiro livro no aplicativo Wattpad, rede social voltada para o compartilhamento de conteúdo entre autores e jovens aficionados por leitura. Segundo o site oficial do aplicativo, 85% dos mais de 45 milhões de leitores tem entre 13 e 30 anos, sendo metade deles menor de 18 anos. Maria Freitas diz que buscava representar em seus primeiros contos as próprias vivências. "No começo, eu queria muito escrever para a Maria de 16, 17 anos as histórias que ela precisava ter lido. Eu escrevi os Clichês [em rosa, roxo e azul] por isso. É a minha verdade, não sei se eu conseguiria escrever uma história que não fosse com o protagonismo LGBT. Essas histórias são necessárias, precisam ser contadas. Quem melhor do que nós para contar as nossas histórias?", reflete. 

Ela também relata que a inclusão destes temas na literatura ajuda as famílias a compreender melhor as identidades de gênero e orientações sexuais dos mais jovens. "Pessoas bissexuais se sentem muito invalidadas, especialmente se você pensar em mídia, ficção. Ainda temos poucas representações, muitas negativas, estereotipadas. Então recebi muito feedback com esse tema, de se sentir acolhido pelas minhas histórias", frisa a autora. Questionada sobre a reação de familiares dos leitores, ela diz não receber muitas mensagens de pais e mães, mas lembra de um caso em especial. "Já recebi mensagem de um avô falando que aprendia muito sobre pessoas não-binárias [que se identificam com outros gêneros fora da dualidade masculino-feminino] com os netos, e ele estava aprendendo com os meus livros", comemora.


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