Transgredindo a literatura na Feira do Livro

Transgredindo a literatura na Feira do Livro

As escritoras Atena Beauvoir e Valéria Barcellos contam como a transexualidade influencia suas produções culturais

Lucas Vidal*

Amara Moira, Atena Beauvoir e Valéria Barcellos fazem parte da programação de autógrafos

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A literatura transexual também marca presença entre as obras da 68ª Feira do Livro de Porto Alegre. O tradicional evento ocorre todos os anos na Praça da Alfândega, e é um espaço de destaque para que pessoas trans também exponham suas vivências e expressem como a produção literária feita por elas modifica a cultura ao seu redor.

Para a escritora, professora e filósofa Atena Beauvoir, autora dos livros “Libertê” (2018), “Contos Transantropológicos” (2018) e “Phóda” (2019), incluir escritoras transexuais e travestis na programação de autógrafos e palestras do evento mostra que a Feira do Livro “quer estar um pouco mais aberta enquanto institucionalidade social e instrumento de formação cultural da população”, tornando-se um ambiente mais diverso e sem perder sua característica principal: a literatura.

Atena não considera a presença de três mulheres transexuais como um hábito tradicional da Feira do Livro de Porto Alegre, e avalia como uma ação positiva. “Isso altera um pouco o papel de somente termos uma hegemonia literária gaúcha. Faz com que a Feira esteja um passo à frente, que já deveria estar acontecendo", comenta.

Poucas pessoas trans publicam livros, e a visibilidade no evento literário sugere que é um fenômeno recente no mercado editorial. Contudo, a escritora, cantora e atriz Valéria Barcellos, autora do livro “Transradioativa”, lançado em 2020, ainda tem uma sensação de atraso. “Parece que começamos a escrever de uns anos pra cá. Talvez não tivéssemos a oportunidade de colocar no livro físico tudo o que já falamos, sentimos e passamos”, aponta.

Apesar de três escritoras transexuais estarem em uma posição de destaque no evento, elas ainda enfrentam um problema: a invisibilidade dos corpos trans. Atena destaca a pequena quantidade de pessoas trans ocupando lugares comuns da sociedade. “Existem pessoas lésbicas, gays e bissexuais em todos os espaços agora, mas continuamos com a inexistência de pessoas trans e travestis de maneira absoluta”, ressalta.

Desde 2008, o Brasil segue como o país que mais mata transexuais no mundo, conforme o último relatório da Transgender Europe (TGEU), lançado em 2021. Valéria considera que ocupar a Feira do Livro é uma das formas para acabar com a transfobia, pois entende a cultura como uma ferramenta primordial de corpos trans e não-trans no combate ao preconceito e da boa convivência entre si. “Nunca ninguém vai esquecer que em alguma música, algum palco ou livro tinha um corpo trans fazendo arte”, declara.

Embora o mercado editorial de livros escritos por pessoas trans ainda avance em passos lentos, Atena é positiva sobre o futuro e acredita que “vai existir um momento em que a gente precisa avaliar que a literatura trans vai ter seu espaço”. Valéria também se mantém otimista e reconhece que estar na Feira do Livro de Porto Alegre como mulher negra e trans é uma grande responsabilidade. “Sei que muitas virão depois de mim, como muitas já vieram antes.”

* Estudante da Ufrgs


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