1988: nova Constituição, não tão nova polícia

1988: nova Constituição, não tão nova polícia

Oscar Bessi

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Eu e o país de hoje chegamos praticamente juntos na área da segurança pública. E o especial “Memórias de 1988 - Os 35 anos da Constituição” me fez experimentar um saudosismo tão gostoso quanto inquieto. Ao ingressar na faculdade de Direito, em 1988, minha cadeira de Direito Constitucional I foi interessante demais: ainda vivíamos sob a Carta Magna de 1967 e a Assembleia Nacional Constituinte bombava nas notícias, com suas polêmicas e uma aparente barafunda diária. Os debates em sala de aula eram acirrados. “Estão fazendo um monstrengo”, resmungava o meu professor. “Tem coisa demais, tema que não é para uma constituição. Por que não se inspiram na dos Estados Unidos, que é enxuta e já tem 200 anos? Isso daí não vai durar nem uma década e vão ter que mudar de novo”. Pois ele estava errado. E lá se vão 35 anos.

“Agora não pode mais nada, não dá pra trabalhar, bandidagem só ganhou garantias”, queixavam-se os policiais veteranos que eu conhecia, quando fiz o concurso público, no final de 1989. A nova Constituição era um bebê e recém fizera aniversário. O sentimento era fruto de uma impressão equivocada sobre a realidade. A atividade policial não mudou, apenas a ótica, que agora se focava na proteção ao cidadão, e não apenas na repressão em si. A diferença básica do novo texto era a necessidade de proteger o cidadão dos abusos do Estado. Os erros não importavam, antes, e a prepotência ou mesmo o desvio de conduta morriam abafados sob o autoritarismo vigente. E era mais uma cultura do que leis. Não havia, na verdade, esse salvo-conduto legal anterior para a prepotência. Ela estava enraizada nos desvios. Como hoje existe a chaga da corrupção. Uma crosta impregnada nos atos públicos feito um vírus. Não há licença legal para que ela exista. Mas não se consegue eliminá-la.

O que há, de fato, é que o sistema de segurança pública tentou se modernizar, com novas regras, mas preservando os velhos esquemas e as mesmas instituições e raízes. O que não seria de todo ruim, se houvesse uma gestão política mais séria sobre o tema. O país piora seus quadros de violência a cada dia. E nem a filosofia de governos intolerantes ou mais tolerantes mudou um grão de areia na pavimentação dessa estrada inglória. Talvez o que a Constituição de 1988 tenha esquecido é que, para proteger de fato o cidadão, há que se manter uma linha de consequências sérias para aqueles que desrespeitam a liberdade individual e coletiva. E isso não pode ser apenas em relação ao Estado. Por exemplo: os executores dos médicos, no Rio, são cidadãos que respeitam a liberdade alheia? Por que essa sensação de impunidade e permissividade ao crime não muda? O Brasil que veio após o 5 de outubro de 1988 parecia um adolescente que saía para se virar sozinho após anos trancado no quarto de um reformatório. Despreparado, sem entender bem todos os lados do que acontece no mundo real, acabou se metendo em erros e confusões, de onde volta e meia ainda sai enganado e machucado. Nosso país precisa amadurecer, se levar mais a sério. Está no caminho.


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