A cultura da violência

A cultura da violência

Oscar Bessi

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Semana passada falamos sobre alguns caminhos da paz. Sabendo, claro, que o tema é muito mais complexo que o espaço de uma coluna consegue abordar. Pois hoje preciso escrever sobre essa cultura de violência que nos cerca. Uma das coisas que mais me chateou, logo após a tragédia ocorrida em Blumenau, foi ver, embora todo o esforço público nos quatro cantos do país para tentar se oferecer alguma sensação de segurança às comunidades escolares, o frisson absurdo em torno de um novo jogo inspirado no filme (péssimo, por sinal) “O Massacre da Serra Elétrica”. E quando comentei sobre isso numa coluna, e na semana seguinte falei sobre uma cultura possível de paz, recebi um e-mail de uma professora estadual que preciso compartilhar. Precisamos de muito exercício de reflexão para os próximos passos individuais e coletivos que daremos. Ou teremos uma sociedade resumida ao confronto entre os que se acham bons versus os que eles declaram como maus, e vice-versa.

Colégio público estadual, periferia, 2023. Uma menina de 11 anos vem com roupas e pinturas insinuantes, inspirada numa artista que faz sucesso na Internet e canta coisas repletas de palavrões, além, claro, de se colocar com orgulho (a tal “cantora”) no papel de objeto sexual. Um menino vê a colega assim, entende como um convite e chega metendo a mão, literalmente. O amigo dela se revolta. Para vingar a menina ultrajada, espanca o colega abusado. O agredido para no hospital em estado grave, o agressor é expulso. Uma professora tenta conversar sobre o tema e recebe vaias. É ameaçada e ouve piadas humilhantes. Uma colega dela, nomeada em contrato emergencial, diz que vai tentar colocar a matéria, que ainda não foi dada nenhuma vez, em dia, pois já é quase maio, então vai ligar para os pais da turma e explicar que precisa de apoio às tarefas da meninada no final de semana. Uma aluna rechaça, diz que não tem telefone. A professora sorri e diz que vai na casa. A menina responde: “Pode vir, minha mãe te recebe com uma faca”. Enquanto isso, outros alunos contam as reações violentas dos pais porque tinham tarefas de estudo para fazer em casa.

Crianças e adolescentes criados em ambientes violentos irão reproduzir esta violência como normal. Sequer entendem o alcance que qualquer agressão, física ou psicológica, tem no outro. Nascem sob tempestades de ódio em seu meio. Nem conhecem o amor e o respeito. Assim como a professora de uma escola particular me falava, numa feira do livro em que me chamou para palestrar, sobre a prepotência e a arrogância de meninos e meninas ainda muito jovens, tendo consigo a crença de que um ato violento seu não era nada, porque são fulanos e beltranos, filhos de pessoas acostumadas a fazer com que seu dinheiro dê as regras ao redor de si, comprando vontades, impunidades e submissões. Essas culturas de violências diversas, vividas e alimentadas na educação de tantos brasileiros das diferentes camadas sociais, é muito difícil de combater. Porque depende de educação, não de polícia. E quem quer, de fato, que a educação transforme seus lares? Só quem está no meio desse tiroteio, remando contra a maré e tomando porrada, infelizmente. Mas esses não estão no poder. Nem no poder paralelo.


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