A mulher e o bolo de isopor

A mulher e o bolo de isopor

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A cada março, nesta era de redes sociais, cores suaves tomam contam dos perfis, cartões plenos de poemas e flores invadem páginas e se tornam dedicatórias carinhosas e suas doces verdades. Tudo em homenagem à mulher. Verdadeiro igual bolo de isopor. Alguns nem sabem o que aconteceu em 08 de março de 1857, numa fábrica de Nova Iorque, quando operárias se mobilizaram para exigir apenas alguns direitos mínimos, como licença maternidade. E foram trancadas e queimadas vivas, num dos episódios mais cruéis da história dessa humanidade tão rica em barbaridades. Talvez a maioria desses cartões seja nada além de um modismo hipócrita, na repetição automática comum a esses cérebros adoradores de idiotices monossilábicas que nem se dão ao trabalho de saber o que significam. Talvez a maioria dos homens que postou homenagem às mulheres não respeite sua companheira, sua funcionária, sua mãe ou sua filha. E nem se dê conta disso, pois não sonha como se faz. É só uma cria do que aí está.

Os dados da violência contra a mulher no Brasil e no mundo mostram quanto ainda devemos. O quanto deixamos de educar. De entender. De respeitar e lembrar. Esta semana acompanhamos nosso magnânimo Congresso Nacional definir, finalmente, que uma multa é pouco para tarados do transporte coletivo. Algo que ocorre há décadas. Também aumentou a pena do estupro se for coletivo e criou o crime de divulgação dessas cenas. Tudo coisa pouca se formos comparar com os benefícios que os progressos de regime concedem aos criminosos. No fim das contas, mais um “não dá nada”. Pobre mulher brasileira. Ora, nosso Congresso, que nós elegemos, tem imensa maioria masculina, alguns declarada e orgulhosamente preconceituosos e intolerantes. Aí nem podia ser diferente: joga-se para a torcida, atento para que a bola não vire bumerangue. Mais bolo de isopor para a platéia bater palmas sem muitas perguntas.

E a Educação? Nem é lembrada. Nenhum projeto. E só se transforma uma sociedade por sua base (como cansa repetir isso!). A violência em geral já tem um custo muito alto neste país, entre mortes, danos, indenizações e impactos na saúde pública. Os filhos da violência e do preconceito contra a mulher são meras ferramentas forjadas nesse descalabro. São abusadores, são caras que colocam a mulher como objeto para vender mais, são piadistas intolerantes da internet. São multiplicadores desse ciclo abominável e pais de novos jeitos de violentar. Eles. Os mesmos que ontem desfilavam jardins de homenagens. Bom, pelo menos já temos a moda de lembrar a data, mesmo que a consciência não acompanhe. Mas uma hora alguém se dá conta que o bolo é de isopor, exige o que de fato alimenta e seu grito dá eco. Processo longo. Mas possível.

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