A ponte trágica

A ponte trágica

Oscar Bessi

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Atravessei uma única vez na vida a ponte pênsil sobre o rio Mampituba, entre Torres e Passo de Torres. Nos primeiros passos, confesso que já detestei aquele negócio. Nem tinha muita gente, não era nenhum feriado ou data especial, talvez não fosse nem verão e eu também não lembro de ter visto a tal placa que limita em 20 pessoas por vez na travessia – mas já faz alguns bons anos, pode ser uma traição da minha velha memória e sim, ela estava lá. O problema é que uns garotos, apenas para brincar, começaram a saltar no meio da ponte e a balançar aquele negócio. Foi um horror. Não apenas pela sensação de balançar, que já não é algo que cause uma boa sensação, mas também pelo barulho da estrutura. Uma criança quase caiu, a mãe xingou os jovens, que nem deram bola e seguiram na sua brincadeira de péssimo gosto. Um pouco antes de eu chegar perto deles, fulo da vida, resolveram ir embora, às gargalhadas. Desde então eu jamais relacionei aquela ponte com qualquer conceito de coerência e lógica. Mas ficava admirando as pessoas passarem sobre ela, tranquilamente. E invejava a sua coragem.


A tragédia ocorrida neste Carnaval não foi algo inédito, tampouco imprevisível. A começar pela bizarra solenidade de inauguração em 1984, quando políticos, curiosos e até o padre, no exato momento em que abençoava a ponte, caíram nas água do Mampituba após a quebra de um cabo de aço. Ninguém morreu e na época se fez muita piada sobre o assunto país afora. Naquele momento também havia gente demais. Desde então, ela já foi interditada diversas vezes. E desta vez o fato não pode ser considerado mais uma piada de mau gosto sobre a frequentemente pitoresca vida pública brasileira. Perdemos uma vida. Um jovem de apenas 20 anos, cheio de sonhos e energia, inteligente, apaixonado pela vida, por música e por tecnologia. Um jovem que havia saído de casa para, como tantos outros milhares de jovens, apenas para se divertir no Carnaval com os amigos. Que recém havia mandado mensagem para a mãe dizendo que já estava saindo da festa. Brian Grandi, era seu nome. Seu corpo só foi encontrado dias depois, a quilômetros de onde tudo aconteceu.


Se uma avaliação preliminar do Instituto-Geral de Perícias já diz que havia um grau avançado de corrosão no cabo metálico que se rompeu, estão certíssimas as autoridades policiais em investigarem o caso como homicídio culposo. Não se pode ter um local de acesso público com tamanha probabilidade de perigo assim, sem a devida atenção. É bom faturar nos feriados, ver os pontos turísticos lotados, mas é fundamental pensar nos seres humanos que estão ali. E investir alto na preservação da vida, com fiscalização efetiva dos locais que exigem manutenção periódica de verdade, na fiscalização das condutas individuais ou coletivas, como impedir o acesso excessivo de gente naquela ponte, seja por interdição em determinadas datas ou até algum controle de acesso. Há ainda outros tantos lugares de risco que precisam ser olhados com muito carinho pelos seus responsáveis. Que se pense mais no outro. Nas consequências. Está mais do que na hora de pararmos de chorar cada vez que decidimos divertir o nosso povo.


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