A violência racista

A violência racista

Oscar Bessi

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Semana passada, um dia antes do jogador Vinícius Júnior ser ofendido por uma massa de torcedores racistas em Valência, na Espanha, houve mais um caso de racismo, aqui no Brasil, que passou quase desapercebido. A funcionária de um restaurante em Goiânia denunciou uma cliente que teria exigido ser atendida por funcionária branca, não por ela. Não era a primeira vez. Quantas situações assim ocorrem, todos os dias, sem serem denunciadas? O mês de maio, das mães e do amor, começou atroz no país: de situações em escolas e repúblicas universitárias a funcionários públicos, garçons, entregadores e por aí vai. Exemplos bizarros, incompreensíveis.  Um vereador no centro do país conseguiu, ao discursar na tribuna, fazer uma das comparações mais preconceituosas possíveis ao falar sobre calçadas sujas. Preconceito explícito. Nenhuma novidade. Aqui no Sul a gente já viu que esse negócio de ofender na “casa do povo”, não dá nada. Basta fingir demência e seguir com o salário bancado pelo suor da massa. Os coleguinhas perdoam.


Por mais que seja jogador de sucesso, uma estrela mundial, talvez acostumada aos holofotes com todos os seus aplausos e vaias, Vinícius Júnior é só um menino. Apenas 22 anos. Garoto. Que encarou um estádio inteiro a ofendê-lo em coro sem qualquer compaixão. Que pisoteava sua dignidade, sua humanidade, seu respeito. Ele encarou e não se calou. Na hora até teve alguns gestos, meros afagos, de solidariedade, mas a atitude do juiz e dos adversários mostra que se importar com o respeito ao outro, e se colocar no lugar de quem sofre preconceito, ainda é um exercício difícil. Raro. O cartão vermelho que veio depois encerra o tom trágico dessa facilidade que temos de inverter os papéis e tornar o ofendido em culpado, o mais rápido possível, para o julgamento coletivo quando o assunto é a intolerância. O próprio treinador do Real Madrid deu uma aula à repórter espanhola que preferia falar sobre o jogo, não sobre o crime cometido naquele estádio. Sinceramente, até a ONU demorou demais para se pronunciar.


E agora? Ou se estabelecem marcos de uma nova ordem, de respeito, igualdade verdadeira e paz, ou essa onda de ferocidade nos levará ao domínio global do ódio e da autodestruição. De cartilhas, recomendações e notas rápidas de solidariedade em rede social, já estamos cheios. É preciso atitude. Rigor. Mudança de prisma. Educação, muita, demais. Em 1985, na Tragédia de Heysel (final das Copas dos Campeões da Europa, entre Liverpool e Juventus), a incompetência dos organizadores e a violência dos hooligans deixou dezenas de mortos. Também naquele dia o juiz deu de ombros e seguiu a “festa”. Michel Platini até comemorou seu gol, ignorando a carnificina ocorrida instantes antes no local. Mas os clubes ingleses, que até então dominavam o cenário da hoje chamada “Champions”, foram banidos por cinco anos das competições europeias. Por que não aplicar esta mesma punição aos times espanhóis? Muita grana em jogo? Ah, mas aquele caso foi diferente, houve mortes. E o preconceito não mata todos os dias no planeta? E quem gritou, a plenos pulmões, aquelas ofensas racistas contra um menino brasileiro, não agiu com o ódio de um assassino contra a alma de um ser humano? Fazer nada, ou só fingir que fez, é incentivar a perpetuação desse absurdo. Aí é só esperar os novos Hitlers e os genocídios da vez.


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