Anda fácil demais dar golpes

Anda fácil demais dar golpes

No campo e na cidade, todos estão conectados. É uma esmagadora minoria que ainda resiste ao assédio das conexões digitais. Então, como tanta gente ainda cai em golpes dos mais falados e comentados todos os dias? É golpe dos nudes, golpe do empréstimo consignado, golpe dos bitcoins milagrosos, do bilhete premiado, do falso sequestro. E outros, mais ou menos criativos, mas se repetem e insistem na mesma tecla: a ingenuidade, em alguns casos aliada a uma certa ganância ou deslumbre, da vítima.

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É impressionante. Chega a ser de uma incongruência estapafúrdia. Afinal, vivemos na era da informação fácil, da notícia veloz, da pesquisa ao alcance de todos, da tecnologia dominante em todos os nossos mínimos atos cotidianos. E é difícil quem não tenha, hoje em dia, consigo um smartphone, tão presente nas idas e vindas do ser humano quanto uma roupa íntima. No campo e na cidade, todos estão conectados. É uma esmagadora minoria que ainda resiste ao assédio das conexões digitais. E, claro, ainda há lugares em que nenhuma operadora consegue chegar, mais por falta de vontade delas do que por limitações geográficas reais. Então, como tanta gente ainda cai em golpes dos mais falados e comentados todos os dias? É golpe dos nudes, golpe do empréstimo consignado, golpe dos bitcoins milagrosos, do bilhete premiado, do falso sequestro. E outros, mais ou menos criativos, mas se repetem e insistem na mesma tecla: a ingenuidade, em alguns casos aliada a uma certa ganância ou deslumbre, da vítima.

Em Portugal, no século XIX, havia um golpe comum nas cidades mais afastadas, no inteiror do país. Uns viajantes chegavam nas casas se se anunciavam como emissários religiosos - alguns dizem que usavam o nome do vigário, e que esta seria uma das possíveis origens para a expressão “conto do vigário”. Eles se apresentavam com uma mala pesada que continha, diziam, grande quantidade de dinheiro ou ouro, que precisavam guardá-la para seguir viagem e seria ótimo deixar com alguém de confiança e temente a Deus. Mas pediam um dinheiro dos recém escolhidos guardiões do tesouro para seguir destino. Nunca mais apareciam. Achando que papai do céu olhe sorrira com a sorte grande, os pobres enganados abriam a mala, para desconbrir que ela continha apenas pedras ou panos velhos. Não se iluda, nem todos deixavam de acreditar no golpista. Achavam que a transformação fora um castigo divino por terem infringido, por instantes, o mandamento de não desejar algo alheio.

Mas naquele tempo não tinha celular. Nem polícia comunitária. Hoje, o pessoal estaria todo avisado sobre o golpe. Adiantaria? Não. O fenômeno por vezes criminoso das fakenews é outro retrato dessa preguiça coletiva que assistimos vingar ao nosso redor. Preguiça, sim. De saber se é verdade, de pesquisar, de se dar ao trabalho de ler mais sobre o assunto, de ir atrás e checar informações. Preguiça de não repetir coisas como um papagaio que não se dá ao trabalho de entender, pelo menos um pouco, do que está falando. Esta geração humana que foi apanhada pela tecnologia num tsunami de possibilidades, mal consegue entender o que está acontecendo consigo. Que dirá com o mundo. É pouco capaz de contestar. Acredita em mirabolâncias. Tem orgulho de não entender e acha graça da própria ignorância. Mas está aí o resultado, acaba se tornando presa fácil demais para todo tipo de golpe. A saída para isto? Não vejo. É muito mais confortável entender de qualquer jeito, dar de ombros e ir dormir do que pesquisar. Tá brabo pedir um mergulho um pouco adiante do mais raso. Aí é tombo e mais tombo.

 


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