As velas, as marés, os humanos

As velas, as marés, os humanos

publicidade



muito sangue inocente derramado na guerra absurda do nosso cotidiano. E recebeu na pele e na alma, sem pedir, toda a carga negativa que a lida diária no front da segurança pública brasileira faz incrustar. Senna ainda mareja o olhar ao lembrar dos bandidos que precisou tombar em confrontos e lamenta, “homem não foi feito para matar homem”. Ele pensa nas famílias que ficaram. Queria que tudo tivesse sido diferente. Ele, que salvou uma criança refém dos bandidos, no seu último dia antes da aposentadoria apreendeu um fuzil AR-15 que, certamente, seria usado para matar colegas seus.

Seu livro “Simplesmente velejar” foi finalista do Prêmio Açorianos na categoria crônica, o maior prêmio que um livro gaúcho pode receber. É que o Sargento Senna trocou a vida de conflitos urbanos pela aventura, infinita em possibilidades, de ser um lobo do mar. Abriu suas velas e sua alma para um novo caminho. Passou pelas explosões da guerra sem deixar de ser, acima de tudo, humano. E hoje percorre lugares distribuindo seus livros, seus sorrisos, suas lições de vida. Os ventos, as águas e os céus, que o conduzem a novas descobertas, também levam seus sentimentos e seu exemplo por entre as ondas de esperança que teimam - ainda bem! - em nos cercar.

Eu me emociono ao saber da sua biografia e, não sei porque águas turvas, penso também no Sargento Denilson. Com um quê de tristeza. É o PM carioca que foi herói no massacre do Realengo, em 2011, onde 12 crianças foram mortas ou baleadas dentro de uma escola. Ele evitou que a chacina fosse maior. Este ano, porém, passou de herói a vilão. Foi preso, acusado de participação em quadrilha de assaltos e outros crimes. O que houve? Vejo sua foto e há só um olhar comum, de pai, de filho, que talvez quisesse ajuda, que talvez tenha ficado desamparado por quem deveria lhe dar valor. Não sei. Há índoles e circunstâncias, somos mesmo assim, infinitos dentro de nós e nem sempre acertamos. Denilson escolheu nadar contra a maré e se afogou nos erros de sua própria ganância, ou desespero.

Enquanto isto, Senna, por aqui, mostra que se Fernando Pessoa disse que navegar é preciso, seja por ser exato ou essencial, isto pode depender apenas de um gesto simples. Vontade, decisão. As escolhas que nós, humanos, temos. Há oceanos para se optar. Todos eles têm suas tempestades. Mas todos eles, acima de tudo, nos levam a novos horizontes.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895