E a faca, Farrapo?

E a faca, Farrapo?

Uso da faca, entra ano e sai ano, ainda gera alguma polêmica em eventos da Semana Farroupilha. Há que se apelaar para o bom senso e uma necessária pressuposição de segurança coletiva.

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Todo ano, cá ou acolá, alguém reascende a chama da polêmica durante os festejos da Semana Farroupilha. Libera a faca ou não libera, nos eventos tradicionalistas? É ou não é parte da pilcha? A segurança do evento, ou mesmo a Brigada Militar, tem ou não o direito de recolher as facas dos presentes?
Vamos começar pelo que está escrito. Pela norma. O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) tem publicada, em todos os mínimos detalhes, disponível para quem quiser ver em seu site, todas as diretrizes para a pilcha gaúcha neste link. E é o que vale para o tradicionalismo. Gaúcho que é gaúcho, que cultua as tradições e leva a sério a nossa cultura, segue o que diz o MTG.

E lá está bem claro: para atividades artísticas ou sociais, como bailes, definidas pelo aritgo 2º, piá ou guri, não usa faca, é vedado na sua pilcha. Então, nada de menor de idade armado. O peão, é opcional nas apresentações de grupos adultos, no ENART ou apresentações artísticas, mas com vedação nas atividades sociais. E a faca, quando utilizada, tem tamanho limite: lâmina de 15 a 30 cm no máximo.

O artigo 3º da diretriz fala sobre a pilcha para atividades campeiras. Diz o texto: "Uso: é opcional para todas as categorias, vedado para a prova de gineteada e para menores de 15 anos de idade. 2 - Tamanho: de 15 a 30 cm de lâmina."

Finalmente, o aritgo 4º, que trata da pilcha para a prática de esportes, veda o uso da faca.

Bueno, então fica fácil de entender e não é preciso polemizar. E antes de falar sobre o conceito de faca como arma branca, na legislação brasileira, é bom sempre lembrar o princípio constitucional que vigora desde 1988: "Art 5º. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". E o que diz a lei sobre facas? É o que vai embasar qualquer ação policia, casando-se com o que lemos acima.

Em decisão recente a respeito da temática, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou, uma vez mais, a posição no sentido de que a conduta de porte de arma branca é típica, amoldando-se perfeitamente à infração penal anunciada pelo art. 19 do decreto-lei 3.688/1941: "Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente. § 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrivel, por violência contra pessoa. § 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição: a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo; c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anosou pessoa inexperiente em manejá-la."

Como podem ver, a legislação é antiga, carece de entendimentos, há decisões controversas e a polêmica vai muito além, no tempo e no espaço, dos eventos farroupilhas. O esperneio é geral e já deu muita confusão por aí, principalmente em ações policiais preventivas ou, na ausência delas, crimes cometidos.

Há projeto de lei tramitando no Congresso Nacional, mas como as coisas que não envolvem politicalha e carguismo no Brasil - e portanto só interessam ao Zé Povinho - nunca são rápidas ou consideradas urgentes, fica lá, como diz o gaudério, "mais remoído que bolacha em boca de véia", torcendo para que algum nobre deputado lembre, hora dessas, que o assunto é importante. Afinal, são quase 30% das mortes violentas no país, as provocadas por armas brancas.

Enquanto se discute se dá ou não dá, que se apele ao bom senso: use a faca o sujeito que vai cortar uma boa carne, que vai assar um costelão, que vai picar um charque para o carreteiro, ou que fará algo da lida campeira que exige o uso do instrumento. E que lembre sempre, de um forma ou de outra está armado, e álco e arma é igual álcool e direção: não combina. Quando se juntam, tem tudo para dar tragédia. Bom festejos! E viva o nosso Rio Grande do Sul! 


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