Eles só aumentam e se organizam

Eles só aumentam e se organizam

Oscar Bessi

publicidade

Chega a ser surreal esperar algum sucesso das polícias no enfretamento a estas facções todas. A operação Senhores do Altomonte, deflagrada esta semana pela Polícia Civil, revelou que um novo grupo, uma nova facção, se articulava em Porto Alegre. E já tinha seus tentáculos país afora. Com uma facilidade e organização que nem impressiona, pois já nos acostumamos a saber que o crime tem suas diversas ramificações. E que todas elas, nalgum momento, se entrelaçam. E que muitas delas estão aí, ao nosso lado, convivendo conosco disfarçadas de respeitáveis negócios. Arrebanham verdadeiros exércitos de desesperados que apenas se movem por essa lógica tão humana de querer se dar bem na vida. Eles se motivam pelo lucro fácil que a sociedade aceita sem muito questionamento. Porque, convenhamos, só há muito dinheiro em jogo porque a maioria de nós, de forma inocente, ingênua ou nada disso, adora financiar o crime. Adora comprar peça de carro roubado, droga para aliviar a dor, arma fria só para dizer que tem e mercadoria de contrabando por ser mais barata. Muitos, entre nós, se enfiam em jogos ilegais ou esquemas clandestinos. Assim, de uma forma muito natural e previsível, uma legião de financiadores do crime adora achar que se dá bem. E não questiona a origem das coisas. Muito menos o destino do seu dinheiro.

Enquanto isso, o Poder Público, que representa a sociedade organizada, cria seus próprios entraves para perder essa guerra. As forças de segurança, por exemplo. Elas não são forças de segurança só para posar para foto e fazer mídia em rede social. Elas são pagas pelos impostos de cada cidadão para atuarem. E atuam. Na contrapartida, recebem cargas diversas de empecilhos, a maioria deles criados justamente por quem deveria motivar. Já vivemos dias tristes de atrasos salariais, parcelamentos. Claro, sempre para uma parte do funcionalismo público, e logo a parte fundamental, aquela gente que faz tudo acontecer de verdade. Sabemos que uma parte gigante do trabalho policial vira pó na sequência do sistema de persecução penal, quando tudo é visto de um ângulo distante da realidade. A burocracia. A defasagem de efetivo. A inflação comendo salários de agentes sem que haja uma mínima reposição, quanto mais uma valorização. Reposição de inflação não é valorização, que fique bem claro, é apenas uma lógica matemática, pois se teu funcionário ontem comprava dois pães com seu dinheiro recebido, e hoje não compra nem meio, é obvio que ele não terá mais motivação em seu trabalho, ou, pior ainda, vais perder esse funcionário. Até dono de boteco sabe disso.

Ainda assim, entre a lógica e o desrespeito, entre a moda e o cacoete cultural de apreciar o ilícito, entre as forças contrárias do presente e o horizonte sem qualquer aceno otimista, os policiais vão lá e cumprem a sua missão. E cortam o mal pela raiz, desarticulando mais um grupo organizado que se reunia para semear lucros fáceis, crimes de todos os tipos e muita morte ao seu redor. Um trabalho hercúleo e digno de se comemorar. E que desvia o padrão brasileiro de deixar primeiro tudo acontecer, depois tudo sair de controle, para então discursar sobre agir. E aí, quem sabe um dia talvez, quando já é tarde demais e fora de controle, tentar algo. Vamos torcer agora para que a Justiça carimbe com suas decisões todo esse esforço para uma sociedade menos violenta. Porque, repito, eles, os criminosos, a todo momento aumentam seu contingente e se organizam. Enquanto, do lado de cá, perdemos para nós mesmos enfrentando convicções e equívocos.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895