Ferros-velhos e outros ancoradouros do crime

Ferros-velhos e outros ancoradouros do crime

Oscar Bessi

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Boa parte dos negócios do mercado informal, ou paralelo, ou que outro nome se queira dar aos que tentar burlar leis e exigências fiscais para vender qualquer coisa abaixo do preço de mercado, são grandes vilões da segurança pública em nosso modelo de sociedade. Há facções criminosas com braços especializados nesse tipo de crime apenas como forma de incrementar a sua renda total, para subsidiar ações de tráfico e compras de armas, por exemplo. Ou até mesmo lavar dinheiro. Os ferros-velhos estão nesse rol cinzento e quase sempre muito bem camuflados. Infelizmente. E a origem desse negócio é até nobre: reaproveitar o material descartado pelo ser humano. E como descartamos. E como são necessários os ferros-velhos. Porém, enquanto alguns trabalham seus materiais de forma lícita, para que alguém os transforme em utensílios ou até mesmo arte, há os que decidem suar menos e ganhar mais. E nós sabemos que só os desonestos conseguem essa façanha. Despudoradamente cometendo crimes ou mamando na corrupção. Zé Povinho, se quiser crescer, tem que suar muito.

A procura dos tais mercados movimentados pela ilegalidade tem uma origem até compreensível: inflação oficial sempre anunciada bem abaixo do que o bolso do povo experimenta para sobreviver no cotidiano, poder aquisitivo médio baixo e preços das mercadorias originais sempre em elevação. Aí vem o consumismo e seus impulsos a valorizarem, o tempo todo, muito mais o ter do que o ser. Como o sujeito que não teria condições financeiras de ter um carro, mas tem, e todas as peças que precisa repor, busca lá naqueles contatos onde ninguém sabe a procedência das mercadorias, mas é bem mais barato. Amanhã ou depois, é o carro dele que estará sendo furtado ou roubado para alimentar o mercado que ele mesmo, um dia, achou muito bom. Assim acontece com os fios de cobre furtados, iluminação pública levada e outros materiais que ladrões trocam nos ferros-velhos desonestos, só para poder fumar uma ou duas pedras de crack. Esses crimes só existem porque existem os receptadores prontos para pagar por tudo que é roubado. Se não fosse assim, não valeria a pena roubar nada.

Interrupção de energia e telefonia, deixando até quem precisa de ajuda urgente sem atendimento ou possibilidade de pedir socorro, ruas ficando escuras e se tornando perigosas para veículos e pedestres. Só alguns dos prejuízos que sentimos pela ação de ladrões de fios de cobre e que afetam diretamente a vida de todos. Por isso é acertada esta sequência de operações realizadas pelo município de Porto Alegre, através de sua Secretaria de Segurança e com apoio das polícias estaduais, para fiscalizar com rigor os ferros-velhos da Capital. A ofensiva já recuperou mais de meia tonelada de fios de cobre, além de outros materiais diversos. Prejuízos pagos pelos impostos do cidadão. Então temos que fazer valer nossos direitos e não deixar barato, colaborar com as forças de segurança e a prefeitura e denunciar essas ações. Que elas devem (precisam) continuar. Mas também podemos fazer o favor de nos tornarmos menos consumistas ou imediatistas, deixando de lado essas ofertas mirabolantes de procedência duvidosa. Nosso dinheiro alimenta essa rede criminosa. Mas ainda é nosso. Podemos decidir sobre ele.


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