Flagrantes de quem encara a morte de frente

Flagrantes de quem encara a morte de frente

Oscar Bessi

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Depois de dias tão chocantes quanto inesquecíveis, com notícias estarrecedoras sobre as tragédias causadas pelas chuvas no nosso Estado, duas cenas em especial chamaram a nossa atenção esta semana. Em ambas, flagrantes de policiais que enfrentaram a morte cara a cara, no cumprimento do seu dever. Em Camaquã, um policial rodoviário federal é filmado sobre o capô de sua viatura que é arrastada por águas enfurecidas. Já em Caxias do Sul, um soldado da Brigada Militar, ao tentar fazer o condutor de um veículo em fuga parar, é barbaramente atropelado e arremessado para cima. Ele teve perfurações em um dos pulmões e precisou passar por cirurgia. Duas cenas emblemáticas do nosso cotidiano de segurança pública.

A primeira coisa que me chamou a atenção, no caso do Sul do Estado, é que quem filma o policial rodoviário em apuros, não aparece fazendo um gesto sequer na direção de ajudar ou pedir ajuda para o policial. Preocupou-se apenas em filmar a cena? Não sei quem é o autor da filmagem e até posso estar equivocado, se o que vemos por aí for apenas um recorte do todo. Mas que dá essa impressão, dá. Parece uma cena com Tom Hanks no filme “O pior vizinho do mundo” (versão horrível em português para o título original, aliás): quando um homem cai nos trilhos do metrô, dezenas de pessoas se preocupam em filmar a cena com o celular, apenas o protagonista do filme lembra de resgatar o sujeito. Tomara que eu esteja equivocado. E por sorte o policial está bem, nada sofreu. Mas essa febre pelo “flagra” na era das redes sociais torna o pessoal doente por seus quinze segundos (nem minutos!) de fama. Nas cidades que choram mortos e perdas gigantes, volta e meia aparece quem não está lá por solidariedade, mas só para aparecer numa foto ou vídeo selfie. Brabo foi o desfile de integrantes de determinada instituição, filmado no centro de Muçum, todos de sapatinhos limpos para uma filmagem de divulgação. De cortar o coração, porque aí já é deboche. Precisamos ter limites. E os divulgadores institucionais mais ansiosos precisam rever seus conceitos,  e relembrar que seu trabalho ainda é atender ao povo, não fazer só marketing digital.

O PM atropelado em Caxias do Sul chegou em estado bem grave no hospital. A ação foi filmada por câmeras públicas de monitoramento. A cena captada e que ganhou o mundo pelas redes e portais de notícias dá a nítida impressão de que o autor do atentado à vida do policial poderia ter evitado o atropelamento. Poderia ter desviado. Mas, ao contrário, parece que procura o soldado. Tudo é muito rápido, claro. Vamos todos torcer para que este policial fique bem logo e se restabeleça plenamente. Ele, e o PRF que encarou a tormenta na estrada apenas para orientar condutores imprudentes sob o temporal, são desses tipos raros de humanos corajosos, idealistas e abnegados, que não se importam em encarar a morte de frente para proteger os outros. Para defender desconhecidos, numa sociedade que mal os reconhece e valoriza. Policiais de verdade, anônimos, como tantos por aí, em suas batalhas diárias e cumprindo fielmente seu juramento sem pedir nada em troca. Esses merecem pelo menos respeito.


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