Ideologia feita em casa 1 - socialismo nosso de cada dia
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No quarto, depois de acomodados, ela tirou a roupa e apanhou uma toalha.
- Opa! O que é isso? – ele deu um salto.
- Vou pro banho, oras.
- Quem disse que você toma banho primeiro?
- E quem disse que não?
- Eu. Ou qualquer do povo que pague a água e a luz deste quarto e tenha direito a um banho. Os mais necessitados, os despossuídos, os...
- Ah, More. Tamos só nós aqui.
- Eu sei. Mesmo assim, vamos votar.
- Votar?
- É preciso discutir e colocar em votação. Depois, aí sim, se decide quem toma banho primeiro.
Discutiram. Votaram. Deu empate. O que faz um socialista em caso de empate?, ela perguntou. Palitinho, par ou ímpar, carta mais alta? Não, nada de jogos de azar. O Casamento não pode adotar a contravenção como conduta.
- Aff.
- É decisão por pênaltis.
- Hein?
Encontraram uma almofada quase redonda. O campo seria a cama. Gol, só acertando a guarda de ferro. Começaram. Deu ele, cinco a zero. A mulher protestou.
- Não vale, você fez escolinha de futebol quando menino. A desigualdade é contra as regras de um casamento socialista. Quero jogar outra coisa.
- Que outra coisa?
- Peteca.
- Peteca, não. Ofende a masculinidade.
- Ahn? Que absurdo! Quem disse uma coisa dessas?
- Meu pai. E o Reginaldo Rossi.
Decidiram tomar banho juntos. Socializando água, sabonete, xampu. E o secador de cabelos, apesar dos protestos dela, que acusava o marido de calvície e consequente uso desnecessário dos recursos públicos. No jantar, debates intensos sobre quem ficava com a coxa do meio frango com polenta, além de que saladas e sobremesas deveriam ser iguais. Deveriam. Que ele detestava rúcula. E sagu.
Assim foram os passeios, sem consenso e indo a lugar nenhum. Até que voltaram para o quarto, exaustos, mais pelas discussões sem resultado. Ele olhou a hora e ligou a tevê, apressado. "O jogo do Inter!", gritou.
- Ah, não! É a antepenúltima semana da novela. Nem vem! Nem vem!
Ele fez que não ouviu e aumentou o volume. Ela saltou sobre o marido para retomar o controle. Puxa, aperta, bota mão, tira pé. Aperta daqui, esfrega de lá. Mão ávida que vira mão boba. Beijaram-se. Rolaram como felinos pela cama. Tiraram a roupa.
Enfim, o socialismo.