Monstruosidades humanas

Monstruosidades humanas

A narrativa de quem torturou ou matou uma criança é difícil de acompanhar

Oscar Bessi

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Certa vez, mostrei a um de meus filhos um filme sobre a mamãe orangotango e sua “cabana” para proteção aos filhotes. Uma espécie de ninho de folhas e ramos nas árvores. É o animal mais protetor da natureza em relação aos seus pequenos, cuida deles até os sete anos. Seres humanos cuidam por mais tempo? Talvez. Todos nós temos alguma criança que nos enternece. São filhos, netos, sobrinhos, afilhados etc. Crianças que, por algum vínculo que só nossa alma entende, despertam o nosso melhor. Quando nos damos conta, estamos nos desdobrando em vários, estamos assumindo prestações impossíveis, estamos encontrando folgas que para mais nada conseguimos ter, e tudo isto nós fazemos, de coração pleno, para conseguir apenas um sorriso desse serzinho especial. Alguns, como as professoras da minha filha mais nova, conseguem oferecer um amor generoso e igual em intensidade a várias crianças, tão diferentes entre si, mas tão semelhantes da essência da pureza que trazem consigo. Aí a gente se depara com umas notícias que nos deixam atônitos.

Podem alegar inocência. Podem alegar insanidade. Podem chorar e até dizer que estão arrependidos. Nada disso será capaz de remover essa náusea que nos atormenta só de saber o que aconteceu. É difícil acompanhar as narrativas. As explicações. As reconstituições. O depoimento dos policiais que, por mais que a profissão ensine e até exija equidistância, também se abalam. Porque são humanos. São pais. E mães, avós, filhos. E as vítimas são crianças. Pequenos anjos deste nosso mundo conturbado. Sem capacidade física ou intelectual para compreenderem o alcance do perigo ou tentarem se defender. Almas que esperam, de quem os cria, nada além de amparo e amor. E nem exigem que isto aconteça em tempo integral. Só que aconteça. Pois proteger e cuidar dos seus é o que fazem todos os animais do planeta. Menos, volta e meia, o ser humano.

Alguém comenta, em rede social, que quer justiça. “É o mínimo!”, responde outro. “Só o que queremos”, completa um terceiro. E outros tantos comentários no mesmo tom se repetem, outras postagens, outras manifestações (alguns claramente só se aproveitando da dor alheia para tentar seus minutos de fama, agora tão mais fáceis, eis que movidos a “likes” e derivados). Mas o que é justiça, nesses casos? Longas condenações? Vingança? Desejos de ódio? Nada, em absoluto, trará de volta estas vidas que nem tiveram o direito de escolher sua estrada. Nada, em absoluto, amenizará a monstruosidade do que foi feito. E não há o que fazer. Ainda teremos, infelizmente, muitas dessas notícias para nos chocar. Como se evita? Talvez no dia em que o ser humano decida aprender sobre civilidade com os orangotangos, por exemplo, a coisa comece a amenizar.


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