Na veia

Na veia

publicidade



Caso, ao fim do devido processo judicial e após a parte acusada exercer seu direito à ampla defesa e o contraditório, conforme prevê a legislação brasileira, o caso das “falsas vacinas” no Rio Grande do Sul seja comprovado como fraude, será só mais um típico crime já comum no Brasil. Temos o medo. Alguém oferece o antídoto. E cobra bem. Na ânsia de não engrossar as estatísticas de milhares de vítimas, todos os dias, dos tantos males nacionais, sequer nos passa pela cabeça que pode ser golpe. Ainda mais quando a febre amarela povoa noticiários e deixa famílias inteiras apreensivas. É que vivemos dias estranhos: a medicina humana evolui a passos largos e gera milagres em prol da vida, aliada à tecnologia. Porém, na realidade que nos açoita a vida de povão, todo ano uma série de novos e velhos males vêm nos assombrar.
Para seres humanos normais, providos de sentimento e afeto, ainda a salvo desse ruminar de ganância e ódio que tritura a mínima ética restante, nada mais importante que um filho. É a jóia rara, o que há de mais precioso acima de qualquer bem material. Por ele tudo se fará para que não sofra, não adoeça, não seja atingido pelos mil perigos que circundam nossa vida como se vivêssemos perdidos numa selva escura e povoada de feras. A estes, o amor é impagável e traz consigo proteção. E quando sabemos que a saúde pública - como todas as coisas públicas que neste país rico não funcionam direito graças à corrupção endêmica - pode nos deixar na mão, é compreensível que pais que tenham condições paguem pequenas fortunas para que seus filhos tenham um bom atendimento médico. Então alguém transforma esta possibilidade de cura, esta esperança, num golpe. Não é só um atentado contra a questão sanitária ou às relações de consumo. São vidas. Crianças. Uma trapaça se aproveitando desse amor dos pais. Francamente, não creio que um ser humano possa cravar, na veia de um bebê indefeso, agulhas que podem gerar tantos males apenas por uns trocados. Será?
Viver é uma sucessão de lições. Nalgumas vezes desconfiamos de algo por um histórico de males que nem são de todos, muito menos da maioria, então nos surpreendemos com as boas respostas vindas de onde justamente desviamos por conta desta desconfiança. O poder público, neste caso, entrou em cena a tempo, com Polícia e Secretaria Estadual de Saúde, e vai nos esclarecer o que houve. E, se houve, frear a tempo a possibilidade desastrosa que a ganância geraria. O medo dá um tempo e sai de cena. Sinais de alerta surgem para que mudemos atitudes e fiquemos espertos. Hora de refletir. O que é de graça, sim, até pode gerar desconfiança algumas vezes. Noutras, é só um direito público garantido a todo cidadão. E que deve seguir assim.

(Coluna da edição impressa de sábado,17/02/18)

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895