O mercado da intimidade proibida

O mercado da intimidade proibida

Oscar Bessi

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A Câmara dos Deputados aprovou, esta semana, o projeto de lei que dá uma pena de um a quatro anos, mais multa, para quem gravar ou compartilhar vídeos contendo intimidades sexuais, se obtidos sem a devida autorização de quem participa. Mesmo prevendo aumento na punição caso as imagens envolvam crianças ou adolescentes, e o alcance de alguns outros crimes semelhantes, vamos combinar que, com esse sistema complacente que nos cerca, não parece ser algo que assuste muito. Sim, há que se transformar em lei estes crimes, e para ontem. Bom que os legisladores brasileiros estejam preocupados, ainda que tardiamente. Mas nos acostumamos a ver que o óbvio só acontece depois de alguma tragédia ganhar repercussão. Problema é fazer algo pífio e achar que basta, é suficiente. Não avaliar o assunto com o peso devido. E, depois, ver tudo ficar por muito tempo sem quaisquer alterações que mudem uma realidade nefasta.

Não é preciso mergulhar na deep web para perceber o interesse macabro que intimidades proibidas despertam no público consumidor de páginas da internet. E digo consumidor porque é gente que paga por vídeos, pacotes, assinaturas e afins de todo tipo de pornografia. E infindáveis apelos, para que os clientes acessem esses produtos, usam justamente os argumentos de que são intimidades vazadas sem conhecimento dos envolvidos (principalmente das envolvidas, pois em regra são mulheres). Essa infinita rede lucrativa vai parar suas atividades com essa nova lei? Duvido. Vão continuar aos milhares na venda inescrupulosa de material erótico. E o que causa isto? Ora, não há nenhuma censura. Algumas páginas, de forma hipócrita, colocam um banner perguntando se o usuário tem ou não 18 anos. E aí basta a criança clicar no sim que acessa tudo. Nenhum controle. Há uma geração gigante influenciada por esses apelos. Os abusos que acontecem nos metrôs, por exemplo, não surpreendem. Tem milhares de páginas especializadas nisto. Em flagrantes de traição. De famosas. De voyeurismo. E por aí vai. E pipocam nas redes sociais de milhões de usuários. Vão conseguir processar todos que compartilham tudo isto, a cada minuto? Vão conseguir fiscalizar?

As punições previstas ainda me parecem brandas. Os efeitos, nas vítimas, estes sim são devastadores. Irrecuperáveis. Quantos suicídios por culpa de conteúdos espalhados sem qualquer controle? Há que se investir pesado é na polícia tecnológica, especializada em combater exclusivamente crimes cibernéticos e afins. E é preciso pensar em muito mais do que a ameaça de “quem sabe, talvez” puxar um tempo curto de cadeia – além da profusão de ralos legais para os autores escaparem até disso. Há que se bloquear totalmente a vida do criminoso. Impedir que ele possa sequer tentar cometer novos crimes. E por muito tempo. Temos que descobrir um jeito eficaz de punir. Se fizer lei só para dizer que fez, vai ficar como quase tudo de ruim neste país: nunca se resolve. Ideias? Não tenho. Sou limitado, só sei escrever e fechar algemas nos pulsos de criminosos. Mas nosso país está cheio de mentes geniais, basta levar essa gente a sério antes de aprovar o projeto – que agora vai para apreciação do Senado. Resta torcer. A coisa é séria demais para virar só mais um enfeite efêmero nesse emaranhado legal luminoso e ineficaz do nosso país.


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