Os heróis de quatro patas
As memórias de policiais militares que trabalharam ou trabalham com cachorros no exercício da profissão
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"É como um filho em desenvolvimento. A realização de um sonho.” Quem me diz isso é o meu amigo Diogo, soldado do Canil Central da Brigada Militar, em Porto Alegre. Um parceiro de farda e de literatura. Ele me conta do tanto de treino e convivência que tem com Morfeu, seu colega policial de quatro patas. Um trabalho árduo, contínuo e firmado numa relação de confiança mútua que culmina em resultados. Jovens, Diogo e Morfeu já encararam diversas missões. Mas nada se compara ao que o tenente Brito já viveu, ele frisa. E me passa o contato do veterano que inspira gerações. Ícone nas fileiras da Brigada Militar, principalmente entre os PMs cachorreiros, o veterano oficial me dá, por mensagem mesmo, a honra de dois dedos de prosa. E nem quero atrapalhá-lo. Ainda na lida, mesmo depois de tantos anos no front, Brito é um guri cheio de gás, sempre pronto para cumprir a missão. Não desperdiça o seu tempo. E nisto somos parecidos.
Brito me conta sobre Borg, seu cão e parceiro, um herói que tombou no cumprimento da missão. Tento captar a emoção na sua voz, mas o que ouço é aquela narrativa firme dos que se admiram e se respeitam pelo que honraram nesta vida, com coragem e brio. Num motim na Penitenciária Estadual do Jacuí, em Charqueadas, presos mantinham reféns na sala de visitação, quando o seu Borg foi solicitado para adentrar a sala. Um dos presos amotinados acertou duas estocadas na jugular do cão. O motim foi debelado com sucesso. Mesmo atingido o cão neutralizou o criminoso que o atacou. Mas ainda que tenha sido socorrido e levado ao hospital local, o santa-mariense Borg não resistiu. Morreu no front, cumprindo sua missão. Brito também me conta, com orgulho, a história do pastor-alemão Satã, o primeiro cão da Brigada Militar à época da criação do Canil, em outubro de 1964. Satã foi enviado a Israel e integrou a missão de paz da ONU no Batalhão de Suez, em 1967.
Há outros tantos heróis de quatro patas, além de Morfeu, Borg e Satã. Como Dick, que em Caxias do Sul ganhou um monumento todo esculpido em rocha e doada pelo escultor Rogério Bertoldo. Dick nasceu e morreu dentro do 12° BPM e era uma referência comunitária caxiense, atuando em diversos projetos sociais e fazendo a alegria de adultos e crianças. “É muito treino, muito tempo juntos, buscando melhores respostas. Ensinar um ser que não fala e é considerado ‘irracional’ a pensar por si próprio e resolver problemas que não fazem parte de sua natureza, faz a relação homem-cão fortalecer”, me explica Diogo. É aí que se constroem laços. Que serão fundamentais para a atuação correta e precisa, sem ferir ou prejudicar inocentes, no cotidiano do enfrentamento cada vez mais tão necessário à violência e à criminalidade, ou mesmo em ações de resgate e salvamento. O talento dos cães é cada vez mais essencial às instituições de segurança pública, como polícias e bombeiros. A comunidade gaúcha só aplaude esses heróis de quatro patas. E agradece.