Pra não dizer que não falei de flores

Pra não dizer que não falei de flores

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Não se rega flores com sangue. Não se cultiva um jardim com tristezas. Mas há certas horas em que a lógica é ultrajada, as certezas se fragilizam e a esperança sofre um baque. Resta a dor.  Quem conhece a pequena cidade de Pareci Novo, às margens do Rio Caí, sabe que ela é um jardim gaúcho. Suas casas têm flores, seus campos, suas gentes. Sua economia e turismo têm flores. Uma cidade charmosa e colorida, com o perfume da paz. E logo ali, bem pertinho dos caóticos núcleos metropolitanos. Quem sabe foi por esta proximidade que um bandido de alta periculosidade escolheu se esconder por lá. E, na tentativa de sua recaptura, faleceu um jovem policial gaúcho. Um profissional exemplar, um cidadão e chefe de família cujos sonhos talvez fossem tão coloridos como o lugar onde, infelizmente, o destino escolheu para levá-lo para junto de Deus.

Leandro de Oliveira Lopes era um moço de apenas 30 anos. Recém formado como inspetor pela Academia de Polícia, trazia na bagagem a experiência de ter sido policial militar. E dos bons. Segundo seus colegas de trabalho, um daqueles sujeitos retilíneos, sérios, dedicados, apaixonados pelo ofício de ajudar e proteger o próximo. Ele deixa esposa e uma filhinha de apenas sete meses que não terá a chance de conhecer, quando chegar a idade de sua formação, os belos exemplos de conduta e humanidade desse grande homem que foi seu pai. A gente sabe que o risco de vida faz parte da rotina de alguns ofícios, especialmente, e talvez mais do que qualquer outra aqui no Brasil, a profissão policial. Mas ninguém sai de casa para, no cumprimento do dever, perder a vida. Não era pra assim. Não era pra ser uma guerra.

E aí vem questionamento que volta e meia incomoda. Para quem tantos criminosos, todos os dias, vendem essa quantidade absurda de droga que financia tanta arma, tanta violência e sustenta estruturas gigantes desse elevado número de facções, dentro e fora dos presídios, dentro e fora dos poderes? Quem leva vantagem com esses lucros, essas mortes, esses canhões de todos os calibres que matam flores todo santo dia ao nosso redor? Pois é isso. Policiais morrem porque criminosos conseguem ter fuzil e tudo mais graças a uns e outros que, bem pertinho da gente, só pensam no seu prazer. E o seu prazer financia isto. Todos os dias policiais enfrentam confrontos armados neste país. A maioria deles, mesmo contra tudo e todos, com salários injustos e condições adversas, vão lá e encaram a morte, todo santo dia, em nome de um ideal ou de uma esperança. Como se enxugassem gelo. Triste, mas é o que cantam as flores em lágrimas a cada nova morte anunciada: infelizmente, e cada vez mais, vemos anjos morrendo em combate.

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