Traição

Traição

Oscar Bessi

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Recentemente li o romance “Dom” do escritor – e guitarrista dos Titãs – Tony Bellotto. Uma história envolvente onde um ex-policial, que passou a vida lutando contra o tráfico de drogas, vê seu filho cair no vício e mergulhar neste submundo terrível. A ponto de se tornar um criminoso procurado. É uma história de ação, suspense, drama e realidade crua, como todos os livros do músico. Tony é o criador do personagem Bellini, aquele detetive que fez sucesso na literatura e no cinema. Pois numa das primeiras cenas em que Pedro Dom, personagem principal do livro, comete um crime, ele vem a Porto Alegre com amigos apenas para cometer um assalto, após receber informações de alguém muito ligado à vítima. O leitor se pergunta: mas será que bandidos se deslocariam tão longe apenas para roubar? Pois num desses casos em que a vida, infelizmente, imita a arte, um crime real e muito semelhante aconteceu. Em Porto Alegre. E provou que sim, bandidos são capazes de tudo.

Para quem não acompanhou o caso, noticiado com detalhes aqui no Correio do Povo, a Polícia Civil do RS foi a São Paulo cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão após identificar que dois paulistas estavam entre os autores de um roubo ocorrido no mês de abril, na Capital. Os bandidos vieram buscar dois carros de luxo, joias e relógios. Descobertos os autores, os policiais gaúchos agora estão atrás de uma peça chave: o informante do bando. Aquele que deu a dica, que orientou, que repassou dados como patrimônio, localização exata e os horários onde a vítima estaria mais vulnerável ao ataque criminoso. Que, chega a ser óbvio até para quem não é do ramo, ninguém viajaria mais de mil quilômetros apenas para arriscar a sorte no desconhecido. Eles vieram sabendo que poderiam subtrair, mediante violência, um patrimônio de mais de R$ 1 milhão. E o que deixa a investigação mais difícil é o mesmo que deve doer na vítima toda vez que ela pensa no assunto: quem deu essas informações privilegiadas só pode ter sido alguém que conta com a confiança do alvo deste roubo.

A traição é impoliciável. E torna impoliciável, também, a emboscada que o algoz prepara, eis que revelará fragilidades que deveriam ser segredo. Há traições, desse tipo, que são meras escolhas profissionais equivocadas de um empregador, como no caso dos vigias envolvidos com o ataque a um carro-forte da própria empresa onde trabalhavam. Sem eles, ou o que eles revelaram e facilitaram, a ação talvez nem tivesse ocorrido. Outras, as mais tristes, vêm de pessoas que contam com a confiança, talvez até mais que isso, da vítima. Como no livro que citei acima, onde o amor desesperado de um pai acaba sendo usado para se cometer ainda mais crimes. A gente pode até pedir penas ainda mais severas para quem, com suas informações privilegiadas, oportuniza um crime. Mas o uso da confiança, na traição mais crua, provoca algo que não há pena que sufoque. Talvez seja um dos sentimentos mais difíceis de lidar, a decepção. Que a polícia descubra de uma vez esse informante para dar paz a esta já traumatizada vítima


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