Violências reais e virtuais

Violências reais e virtuais

A inteligência artificial, por si só, não pode ser considerada um mal, mas manipulada erroneamente vira uma arma terrível

Oscar Bessi

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Uma arma, sozinha, é um objeto. Mas na mão de qualquer pessoa com capacidade para romper o respeito à vida do outro, torna-se instrumento de um crime. A inteligência artificial, por si só, não pode ser considerada um mal. Mas manipulada por estúpidos, também vira uma arma terrível capaz de crimes hediondos. Um corpo nu nunca deveria ser instrumento de ódio. É só a natureza em sua forma pura. Mas um corpo nu, ou seminu, ou até mesmo vestido perante um demente, pode, sim, ser alvo de crime, de abusos, de ira, de violências. A nudez é o crime, ou o que passa na cabeça de quem abusa? A roupa curta da mulher é o crime, ou a bobagem dita pelo maníaco que a vê na rua e se julga autorizado a desrespeitar? Ah. Qual a diferença entre arma, novas tecnologias e corpos humanos? Fácil. Só a arma foi criada especificamente para matar. O que têm em comum? Os resultados nascidos exclusivamente na consciência de quem os encara.

Há quem defenda o jogador de futebol que só agora, sim, só agora, mais de uma década depois, está sendo preso por sua participação no estupro coletivo de uma menina fora do país. Mesmo com os áudios repulsivos divulgados na mídia. Mas é compreensível, afinal ele estava fugindo de punições aqui no Brasil, como um exilado que escolhe a proteção de um país que está no Top 5 dos feminicídios do planeta. Aqui, a violência contra a mulher é muito real. Palpável. A cada minuto, nada menos do que 35 brasileiras são agredidas por um homem. Por quê? Legislação existe. Punição prevista, rede de proteção, governos cheios de “CC” para falarem bonito sobre o tema, encontros, palestras, verbas, publicidade, campanhas, apelos. Tudo existe. Mas a cultura da submissão, da hipocrisia e da violência predatória tolerável, esta também segue firme e forte sem se abalar muito com os tênues resultados das políticas públicas. E a educação, esta então segue frágil. E encarando maremotos lucrativos e despudorados na direção contrária.

E se alguém se surpreender com as meninas, ainda crianças, que foram vítimas de montagens repulsivas através da inteligência artificial, desculpe, mas está muito desatento. E se ficarem boquiabertos ao saber que tal crime teria sido cometido por colegas de escola, de tão tenra idade quanto as vítimas, mas já praticando a pior concepção do desrespeito ao outro, principalmente se o outro for mulher, ou for diferente, é porque devem pensar que estão em outro lugar no mundo. Não no país do jogador este, que quase escapou livre do seu crime danado risada. No país onde ainda se pune, de verdade, muito pouco quem tem bom sobrenome, bons contatos ou belas contas bancárias. No país onde muitos martelos ainda batem incentivando a impunidade e aniquilando qualquer incentivo na direção contrária. E onde a maior violência segue sendo esse incentivo bárbaro e histórico à ignorância fratricida. Que, às vezes, se veste até de moda, para seduzir. Noutras, aparece sem pudor na forma da mais bruta e repetida prepotência.


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