Psicológa escreve sobre onde habita a minha fé

Psicológa escreve sobre onde habita a minha fé

Quando os dias estão muito ruins e nada parece dar certo, a gente respira e lembra que vai passar

Natalia Schopf Frizzo, psicóloga.

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Natalia Schopf Frizzo*

Às vezes isso é tudo e é o melhor que podemos fazer: não devemos permitir que alguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz – assim dizia Madre Teresa. Desafiadora tarefa essa, de até mesmo driblar nossa própria dor para que, no encontro de almas, possamos chegar e sair melhores. Certamente há muita energia em tudo que você faz. Há muitos sentimentos controlados para que você continue firme. Há muita lágrima contida para que seu sorriso acolha alguém. Se ninguém disse a você o quanto você é importante hoje, saiba: você realmente importa.

Nessa roda viva chamada presente, viver e deixar viver consistem na arte da permissão para que cada um possa se inserir harmonicamente no meio dos outros. Vivemos caos e flores todos os dias. Mas como diz Ana Claudia Arantes, quando os dias estão muito ruins e nada parece dar certo, a gente respira e lembra que vai passar. E quando tudo está tão fluido e bom a ponto de nem parecer ser “de verdade”, aproveite cada instante, porque também vai passar.

Talvez muitos estejam se perguntando a despeito dos recursos possíveis para lidar com os impactos psicológicos diante desta Pandemia. Evidentemente, as ferramentas para administrar crises são muitas, e certamente algumas delas já existem dentro de você. Para vários de nós, um dos pilares frequentes de enfrentamento é a Espiritualidade. E, talvez, seja o momento ideal para questionar, quando tudo que você lê, e quando tantos lugares para os quais você olha exalam incertezas e informações doloridas de se conviver, onde habita sua fé?

Usar o recurso espiritual pode significar fazer da fé um sentimento de conexão com uma força maior, seja ela chamada Deus, energia, natureza ou força interior. Ter fé é validar algo como verdade. É estabelecer contato com o sagrado que habita em cada um de nós. É, muitas vezes, por meio da espiritualidade, que minimizo sentimentos de solidão e reconecto meu sentimento de pertencimento ao mundo. O que importa agora? O que faz sentido? Quem eu me torno diante disso? Qual é o nome da sua dor? Física, espiritual, emocional, social? Total? O que ameniza sua dor, o que é sagrado para você?

A verdadeira transformação espiritual do indivíduo está nas pequenas e fundamentais atitudes do dia-a-dia, independente do credo, do estilo de vida, das preferências sexuais ou políticas que se possa ter. O mundo depende mais dos pequenos do que dos grandes atos para ser transformado – não espere o momento ideal, faça o que puder, mas faça agora. Diga para as pessoas o quanto elas importam, reconheça o quanto elas se esforçam. Você já observou o rosto de alguém antes e depois de um elogio? Não trate o óbvio como trivial, na maioria das vezes, o óbvio também precisa ser dito.

Exercitar a fé, nunca se tratou apenas de cultivar uma religião. Exercitar a espiritualidade esteve sempre ligado à construção de sentido: para nossas escolhas, planos, existência. Sempre esteve vinculado a valores como respeito, coragem, compaixão. E por isso gosto tanto das reflexões libertárias de Dalai Lama quando diz que o objetivo da vida humana é a felicidade, a preservação da alegria. Pois para ele, ser feliz nunca representou um estado grandioso e eterno. Ao contrário, ser feliz é uma soma de pequenos momentos luminosos que o sujeito vai colecionando ao longo da vida.

Há uma música clássica do Pink Floyd chamada “Breathe” que parece ter sido feita como um convite para o agora, e a qual em livre tradução nos diz: “respire, respire o ar. Não tenha medo de se importar. Vá, mas não me deixe. Olhe em volta, escolha seu próprio chão. Por muito tempo você viverá e alto você voará. E sorrisos você dará e lágrimas você chorará. E tudo que você toca e tudo que você vê, é tudo o que a sua vida sempre será”.

Já sentimos muita saudade dos abraços. A distância física que nos convoca a olhar para dentro e encontrar a própria luz, que eu chamo de fé, permanece ativa. Mas há duas reações que podemos escolher frente ao que nos faz sofrer: entregar-se à dor ou descobrir a si mesmo na tragédia. Então não esqueça: o abraço é a personificação da palavra. Mas enquanto há um espaço entre o eu e o toque, a palavra e o olhar podem preencher lacunas. Cabem muito mais coisas entre um sorriso e um abraço do que você pode imaginar. Comece a preencher este espaço e logo estará entrelaçado de novo ou sentirá o calor que estava fazendo falta.

Às vezes tudo que precisamos é que nos olhem mais de vagar... e que quando tudo estiver bem, finalmente digam o quão bom está. O quanto seu papel importa. Não tenha medo de se importar, porque quando tudo vai mal, sempre apontarão o que está dando errado. Não deixe de expressar amor, de lançar um olhar de luz ao seu redor, pois na vida, a gente nuca sabe o que vem no próximo ato.

A minha fé habita na esperança, no que sempre pode dar certo, apesar dos pesares. Onde tem habitado a sua?

 

Psicóloga CRP 07/21597
Mestra em Psicologia e Saúde - UFCSPA
Residência em Gestão e Atenção Hospitalar - Oncologia-Hematologia - UFSM.
Especialista em Cuidados Paliativos- Hospital Israelita Albert Einstein
Especialista em Psicologia Hospitalar- CFP

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