A cultura no centro da construção democrática

A cultura no centro da construção democrática

Alexandre Vargas *

Margs é uma das instituições pertencentes à Secretaria de Estado da Cultura do RS - Sedac/RS

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As profundas transformações que o Brasil sofreu na economia, no social, na educação e na política — com mais desigualdade, analfabetismo, desemprego e fome — coloca a cultura como um grande instrumento de coesão social, senso de pertencimento da identidade e de apoio concreto ao desenvolvimento econômico e humanitário do país. A segregação sexual nas atividades de trabalho, como a existente no Brasil, os 33 milhões de pessoas passando fome, os mais de 79% das famílias endividadas, aproximadamente dez milhões de pessoas sem trabalho, emprego e renda, e segundo o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), dois milhões de cidadãos brasileiros, entre 11 e 19 anos, que abandonaram a escola sem terminar a educação básica, são questões profundamente culturais e não apenas econômicas e políticas.
A conjuntura exige mobilização a respeito das políticas culturais desenvolvidas em todas as esferas da federação – União, Estados e Municípios – e das instituições públicas e privadas, para trazer maior potencial executório ao universo da cultura nacional e ao cidadão brasileiro. A definição de um conjunto de direitos culturais, presentes em nossa Constituição, deve ser executada nas políticas públicas, objetivando um serviço prestado ao cidadão na promoção do acesso aos bens e serviços culturais, ao fomento às artes, à preservação do patrimônio cultural e à ascensão da diversidade cultural brasileira.

Diante da necessidade de assegurar a continuidade das políticas institucionalizadas, muitas das quais com recursos acumulados, e que visivelmente requerem uma estrutura gerencial estabelecida e orientada para a sua implementação, a recriação do Ministério da Cultura, com inovação institucional, faz-se urgente para o reequilíbrio entre a indubitável eficácia econômica do setor cultural e os valores e princípios democráticos e de coesão social necessários para a segurança e a dignidade de vida dos nossos concidadãos. Contudo, não basta recriá-lo, é imprescindível o estabelecimento de caminhos institucionais inovadores que rompam com a lógica de interrupções, descontinuidades e extinções inexplicáveis de ações e políticas que vêm caracterizando historicamente a ação pública do Estado brasileiro no campo da cultura.

O compromisso a ser firmado, deve ser no redesenho dos modelos de governança cultural, através da inovação institucional, objetivando a elaboração de modelos renovados que façam sentido às urgências da sociedade e do ecossistema cultural brasileiro. Com sentido de urgência e de corresponsabilidade é fundamental colocar a cultura no centro da construção democrática do Brasil, com o compromisso de dar fim às bases ideológicas autoritárias e persecutórias, associadas à cooptação política de raiz conservadora.

Acabar como descaso oficial com o patrimônio brasileiro, os museus, as bibliotecas, as fundações, as artes cênicas e o audiovisual. Assim como, exterminar com o cancelamento da cidadania e do pluralismo das expressões identitárias e o negligenciamento do protagonismo da sociedade civil através do sucateamento de programas como o Cultura Viva. Tal como fomentar a atuação conjunta da sociedade brasileira para eliminar as ações de aniquilamento das comunidades quilombolas, da matriz africana e da cultura negra em geral.

Essa pactuação social deve ser estendida para uma remodelação de inovação institucional no campo da cultura com a finalidade de ampliar a abrangência das políticas culturais, reforçando a ideia de democratização e de representação, tendo como âncoras a incorporação de demandas de comunidades e grupos populares, recorrentemente negligenciados pela ação estatal. Por conseguinte a aplicação imediata das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc II, é substancial para articular o fortalecimento da participação social no Brasil e consolidar o envolvimento da sociedade civil no processo de formulação e implementação das políticas públicas de cultura, fazendo com que o fomento chegue definitivamente a cada município deste país.

O debate intelectual e humanista sobre o panorama de políticas públicas para a cultura no Brasil, estimulando prioridades, em escala nacional, e elencando a prevalência para melhorar as condições de vida da sociedade, também implica no compromisso de realizar um arranjo sofisticado de consolidação institucional entre as pastas da Educação e da Cultura. O objetivo deve ser a promoção da cidadania, através de uma pedagogia de integração social e de colaboração entre diversos organismos que atuam no campo cultural, facilitando o desenvolvimento de programas educacionais e das artes para o novo ensino médio, acompanhando os instrumentos de organização dos estados na introdução da disciplina das artes nas escolas.

Assim a integração de escolas, grupos de crianças e comunidades com as instituições culturais, fomentará o desenvolvimento dos serviços educativos, que possam fazer a ligação entre as instituições de cultura e educação, impulsionando a diversidade cultural nos currículos escolares, reconhecendo e ensinando as culturas minoritárias.

Há evidente necessidade de continuidade do Sistema Nacional de Cultura e o reposicionamento do Estado no campo cultural, assumindo um papel ativo de formulador, condutor político, interlocutor social e gestor administrativo, portanto operando o Plano como um instrumento de reconhecimento estatal, com garantias legais e com uma matriz orientadora das ações públicas para a consecução daquilo que é considerado prioritário pela sociedade brasileira com perspectiva de política de Estado.
O desejo é que esse novo ciclo da República seja marcado pela racionalização das atividades e na distribuição mais equânime de recursos para a cultura no Brasil. Pois é estruturante dar visibilidade à nossa riqueza cultural, potencializando à diversidade, impulsionando a indústria cultural brasileira, a geração de empregos estáveis e de qualidade, a inovação, as novas tecnologias e a reorientação dos modelos institucionais. Pois a falta de acesso cultural à população brasileira fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e de violência que estão moldando a vida social contemporânea do Brasil.

* Coordenador do Programa Estadual de Formação e Qualificação na Área Cultural 

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895