A dança que comemora, produz, resiste e luta

A dança que comemora, produz, resiste e luta

Airton Tomazzoni *

Nesse horizonte tem-se o expressivo número de 80 grupos, cias e coletivos independentes em Porto Alegre

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A pandemia atacou em cheio a dança de Porto Alegre e para quem duvidava da força da sua cadeia produtiva, ela mostrou que é uma área consolidada e um segmento cada vez mais potente e promissor. O fato é que depois do período de interrupção das atividades presenciais foram poucos os grupos e as escolas que precisaram fechar as portas. O setor se reinventou e garantiu a continuidade das atividades educativas e artísticas que nessa retomada revela um contexto animador, mesmo que vários desafios históricos ou recentes se apresentem.

Para entender esse contexto é importante verificar alguns dados do setor. Na capital gaúcha, a dança conta com cerca de uma centena de escolas e centros de formação, que mobilizam em torno de 15 mil praticantes de aulas regulares. E num amplo e diversificado espectro, que vai da dança clássica às danças urbanas, da dança do ventre ao flamenco, do tango ao samba, das danças afrodiaspóricas às danças gaúchas. Tradicionais escolas como o Ballet Vera Bublitz e o Lenita Ruschel continuam formando inúmeros talentos ao lado de novos espaços como o Gira Centro de Dança, Carol Dalmolin Estúdio de Dança e o Fink Estúdio de Dança. E, na Casa de Cultura Mario Quintana, segue a intensa atividade na Sala Cecy Frank.

Outros formatos de escolas e proposição de aulas diversificadas trouxeram, entre outros, o Dobra, o Donz, o EspaçoN e o Estúdio Amplo, este último com um trabalho especializado em dança para crianças. O Território da Dança, sob comando do Júnior Coppes, abriu duas novas filiais dedicadas à dança de salão na cidade. Chegou também a nova sede do badalado Gross Estúdio de Dança que já ganha uma até uma franquia no bairro Rio Branco. A Casa da Dança abre suas portas em maio. E vale lembrar que nem as chamas de um incêndio acabaram com a Escola Aline Rosa que voltou em novo endereço na zona norte.

Nesse horizonte tem-se o expressivo número de 80 grupos, cias e coletivos independentes que atuam em Porto Alegre. As temporadas não mentem e revelam plateias cheias e ávidas por produções já consagradas ou estreias que lotam os teatros da cidade. E aí se incluem tradicionais grupos com décadas de atividades como o Conjunto Folclórico Internacional Os Gaúchos e o Afrosul/Odomodê ao lado de jovens coletivos que vem se firmando. Ao mesmo tempo tem-se artistas que mostram toda sua vitalidade como revelou o projeto Novos Velhos corpos, com a força da maturidade dos intérpretes, entre eles a professora, bailarina e coreógrafa Eva Schul, no palco aos setenta e quatro anos.

E nesse cenário, grupos da periferia evidenciam sua força como o Restinga Crew que levantou com as próprias mãos sua sede no bairro. Cresce a cada ano a produção audiovisual de videodança, ganhando premiações em inúmeros eventos nacionais e internacionais. Artistas como Diego Mac experimentam criações de danças feitas por animação computadorizada com aquisições de obras por colecionadores do exterior inclusive.

Políticas públicas do Centro Municipal de Dança vêm auxiliando nesse desenvolvimento. A Cia Municipal de Dança retomou suas atividades, com nova audição para seu elenco e colocando em cena seu repertório com obras como Brazil/Beijo, da coreógrafa israelense Orly Portal. Além disso, a Cia vem atuando nas escolas de periferia no programa de formação profissional das Cias Jovens de Dança e com a volta das Escolas Preparatórias de Dança que oferecem aulas gratuitas a mais de 300 alunos e alunas, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (Smed). O Grupo Experimental de Dança, por sua vez, completa 17 anos de atividades tendo formado mais de 700 alunos e alunas. E o Dança Comunidade vem abrindo novas frentes como em parceria com o Ballet Elizabeth Santos na zona leste. Também tivemos a volta do projeto Quartas na Dança e o início o projeto Memória da Dança POA, resgatando a história das pioneiras da modernidade século XX, do Prêmio Lya Bastian Meyer e do Edital Re-volta da Dança, em parceria com o Goethe Institut de Porto Alegre.

Festivais, eventos e projetos movimentam mensalmente a programação cultural, como o Palco Giratório, do SESC, e Poa em Cena, da Prefeitura, que começam a dar o devido protagonismo à dança nas suas curadorias. Além disso, a cidade sedia o maior festival do Estado, o Sul em Dança, no Teatro do Sesi, reunindo a cada edição mais de 5 mil participantes. Junto deles, deve voltar esse ano o Festival Internacional de Dança FIDPOA. Também projetos como o Sapateando Sem Fronteiras estão sendo viabilizados por meio dos editais do FACRS. 

Pesquisas qualificadas e de ponta nascem dentro da universidade no curso de Graduação em Dança da UFRGS e no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, da UFRGS, com significativas dissertações de mestrado e teses de doutorado. Soma-se a tudo isso ações de dança voltadas à saúde. Projetos como OncoDance, dedicados a pacientes com câncer ou em recuperação, fundado por Cristina Melnik, e o Dança e Parkisson, da professora da UFRGS Aline Haas. E segue ativo o grupo CDEG, do coreógrafo Edison Garcia, que reúne quase uma centena de participantes de 60 a 80 anos.

Pelo Estado verifica-se esse cenário como revelam os dados do Mapeamento da Dança no RS, resultado de um trabalho integrado de instituições, associações e entidades de representação do setor como a Associação Gaúcha de Dança – Asgadan, criada em 1969. No Rio Grande do Sul temos o maior número de graduações em dança no país, além da Ufrgs, com os cursos da UFPel, da UFSM, a UCS e a da Uergs, que vem para capital. E em muitos municípios destacam festivais, grupos e artistas como a Cia Municipal de Caxias do Sul; o Maçambique, em Osório, o Boizinho da Praia; do Ponto de Cultura Flor da Areia de Cidreira. Produções que convivem com as das invernadas dos CTGs que mostram criações arrojadas no Enart, em Santa Cruz do Sul, ou com os espetáculos de tirar o fôlego no Festival de Artes Cênicas, de São Jerônimo. E soma-se a tudo isso o Núcleo Imagem e Dança de Imbé (Nidi), com produções premiadas no Brasil e no exterior. 

Alguns aspectos, porém, ainda exigem superação. A Sedac-RS, por exemplo, segue há anos sem Coordenação de Dança, que durante muitos anos fez ações decisivas como as edições dos Encontros Estaduais de Dança. E na esfera municipal todo esse efervescente setor aguarda ainda um espaço para poder fomentar essa produção como um prometido Centro Coreográfico esboçado na gestão do então Secretário Sergius Gonzaga e depois esquecido. A SMCEC-POA tem um Atelier Livre, Pinacoteca, museus, bibliotecas, teatros e merece um ou mais espaços para poder promover aulas, cursos, ensaios e apresentações de dança. Ao mesmo tempo também se espera a aprovação no Congresso Nacional da lei que regulamenta as atividades dos profissionais de dança e as mudanças na regulamentação das Microempreendedores Individuais – MEIs para enquadrar a dança devidamente.

No Dia Internacional de Dança nem tudo é para se comemorar, mas há de se destacar esse rico e expressivo panorama do setor, muitas vezes desconhecido. Sim, a dança é um setor econômico importante e estratégico que gera renda e empregos, uma área de valiosa produção de conhecimento e que não só projeta talentos como qualifica quem pratica dança em termos de saúde, de bem-estar, de convivência, de criatividade, de cidadania. Quem ainda não se deu conta, pode aplaudir, incentivar e entrar nessa dança.


* Jornalista, coreógrafo e doutor em Educação pela Ufrgs. Coordenador do Centro Municipal de Dança de Porto Alegre


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895