A potente nova geração de artistas visuais

A potente nova geração de artistas visuais

Priscilla Casagrande *

Cota Azevedo e a sua Foto Performance Meduza

publicidade

No Brasil, as mulheres têm um importante papel na disseminação cultural por meio da arte desde o século XIX, mas foi só em 1922 que uma mulher brasileira foi reconhecida pela sua produção. Premiada por uma pintura histórica, o gênero artístico mais prestigiado daquela época, a paulista de Taubaté, Georgina de Albuquerque (1885 - 1962), recebeu o prêmio, concedido pela Escola Nacional de Belas Artes, pela pintura Sessão do Conselho de Estado. Apesar do reconhecimento, a pintura não representava as vivências da artista, muito menos suas demandas como mulher e mãe. Georgina deu um importante passo que para que artistas mulheres pudessem ampliar suas aspirações e, de lá para cá, ao longo desses 101 anos, muito se evoluiu no que tange o reconhecimento da arte visual feita por mulheres.

Por isso, compreender a nova produção visual das artistas brasileiras que voltaram os olhos para a questão do feminino é também ressignificar o espaço da arte como um lugar de afirmação e celebração. Muito se produziu entre 2020 e 2021, durante a pandemia provocada pela Covid-19, que obrigou milhares de pessoas ao isolamento, e foi nesse tempo de reclusão que muitas mulheres puderam se dedicar ao devir artístico. Se o contexto foi de olhar para si, a arte brasileira ganhou, de norte a sul, uma nova percepção daquilo que as mulheres queriam dizer e se expressar com ilustrações, pinturas, esculturas, fotografias e entre outras técnicas.

Ao percorrer a exposição “Amarrei seu nome na boca do sapo”, o público pôde perceber a força do feminino estampada em cada obra da artista visual Cota Azevedo. Um repertório visual e poético composto com a aglutinação de materiais e tecidos que formam objetos escultóricos, pinturas como tecido-pele que se transfiguram em corpo e as performances que apresentam a corporeidade incorporada à memória, essas são as linguagens utilizadas pela artista que é mãe de duas crianças. Aliás, tanto a ancestralidade quanto a maternagem são representadas nas obras que se dividem entre esculturas, pinturas e fotoperformances. Cota Azevedo nasceu no interior da Bahia e cresceu em Salvador. Suas memórias de infância remontam as suas primeiras experiências com o bordado junto à avó. A poética da artista também é marcada pelas inúmeras mudanças que fez em sua vida, tendo morado em diversas cidades do país, de maneira a experimentar certo sentimento de exílio e não pertencimento. Além disso, a experiência de vida, da maternidade e da maternagem, sobretudo seus dilemas e conflitos, são presentes nas obras da artista: “a atividade das mulheres da minha família de tecer, bordar e costurar sobreviveu entrelaçados a minha memória e os assumo como um ato corporal criatório de reparação e resistência cultural”, revela. 

A pesquisadora, curadora e também artista Luana Aguiar, revela que Cota Azevedo “assume sua herança sagrada, e adiciona, ainda camadas de fabulação junto às suas investigações sobre a visceralidade do corpo. Seu conjunto de obras trata das experimentações da artista e nos faz refletir sobre os sentidos tradicionalmente associados ao têxtil”, afirma Luana. A expografia das obras de Cota surpreendem, exatamente pela força da materialidade têxtil. As esculturas e pinturas se colocam numa imersão tridimensional, garantindo a quem as observa, a possibilidade de enxergar a frente e o verso das obras que se revelam. O feminino é uma das marcas da artista que já realizou três exposições individuais. 

Esse protagonismo feminino cada vez mais latente nas produções artísticas brasileiras também é encontrado nas obras da jovem artista carioca Leoa. Em sua primeira mostra individual Leoa apresenta uma série de pinturas que tratam do arranjo visual da sua vida em Bangu, na zona oeste do Rio. A artista de 25 anos espelha a força de seu cotidiano por meio dos atravessamentos, encantamentos e das subjetividades. Mulheres e crianças são personagens constantes no seu repertório. “Ser do subúrbio carioca me colocou num espaço de pesquisa que envolve o cinza como a cor que liga todas as minhas obras. A exposição narra minha vida como um cotidiano onde observo a natureza da minha realidade social”, destaca a artista.

Através das suas pinceladas fortes e da luz incipiente de suas telas, Leoa tem uma proposta que relata a rotina das mulheres, inclusive as desigualdades que habitam essa rotina, entre o trabalho doméstico e a vida nos subúrbios cariocas. Essas obras que hoje estão em galerias e museus têm o poder de mostrar que a arte tem importância de caráter social. Esse é um tema contemporâneo, não é um assunto novo, mas que ainda precisa ser reforçado e debatido para que se possa cada vez mais combater a misoginia e fortalecer a figura feminina dentro da sociedade para que ela possa ser o que ela quiser. No Rio Grande do Sul, a artista visual e designer Lidia Brancher também realiza uma pesquisa visual que permeia cenas e recortes gestuais de momentos compostos por linhas sutis e fortes e que representam as mulheres. São desenhos, gravuras, colagens e pinturas que mostram exatamente a força do feminino. Ela utiliza várias técnicas para compor um repertório da memória simbólica das suas vivências.

Ainda hoje, a desigualdade de gênero no meio artístico se mostra bem presente, visto que da totalidade das obras em exposição no país apenas 8% são de autoria de artistas mulheres. Ainda há de se quebrar barreiras em um território dominado por homens. Por isso, não basta apenas celebrar o mês da mulher, é preciso também dar visibilidade a elas. Cota, Leoa e Lídia são exemplos disso. O que une essas três jovens artistas, de territórios visuais e geográficos tão distintos, além do talento, são as semelhanças em afirmar a força do feminino como tema constante em suas obras. Se Georgina Albuquerque há um século foi uma pioneira e abriu caminhos para as novas gerações, os próximos anos serão de mulheres, que vão continuar produzindo, resistindo e existindo como protagonistas de suas próprias criações. 


* Mestranda em História e Crítica da Arte pelo Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ. Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005). 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895