A ti, Manoelito de Ornellas, onde estiveres

A ti, Manoelito de Ornellas, onde estiveres

Doutora em Letras, Maria Alice Braga rende uma homenagem ao jornalista e escritor itaquiense nos 121 anos de seu nascimento

Correio do Povo

Escritor Manoelito de Ornellas nascido em 17 de fevereiro de 1903 em Itaqui

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A vida não é a que

a gente viveu e sim

a que a gente recorda, e como recorda

para contá-la.

Gabriel Garcia Márquez

Por obra do acaso, encontrei um poema de Rui Cardoso Nunes, dedicado ao nosso querido poeta e escritor, Manoelito de Ornellas. Aproveitei a data, então, 17 de fevereiro, para lembrar os 121 anos de nascimento do autor de “Rodeio de Estrelas”.

Rui Nunes cantou: “Se o homem tem alma.../a tua que era nobre e que era grande...” talvez ande no teu Rodeio de Estrelas. Ou, quem sabe, esteja a lembrar o menino da Terra Xucra, espaço de uma infância sem muros. “Talvez venha, saudosa, do infinito/ às margens do Itaqui...” onde foste piá nesta vida.

De onde estiveres, Manoelito, queremos celebrar o teu legado e agradecer os belos momentos eternizados nas obras que nos deixaste. Como podemos lembrar, por exemplo, quando descreves, em “Gaúchos e Beduínos”, o gaúcho que contempla, como o beduíno, satisfeito, as delicadas ondulações dos campos e destacas, “o beduíno é o dono de seu deserto. Mas o gaúcho também teve – como o beduíno – o mesmo orgulho da solidão”. A diferença é que o deserto do beduíno permaneceu inviolável, talvez por sua árida nudez, menos interessante à cobiça desmedida.

Em “Máscaras e Murais da Minha Terra” descobres, na arte de Lila Ripoll, uma afinidade maior com a tua condição de escritor interiorano. Recolhes para ti as palavras da poeta, as quais dizem que as coisas se fundem em um mesmo sentido, “Quaraí ou Itaqui?” Tudo igual, com cadeiras na calçada... “Nossas pequenas cidades bem-amadas, nossas infâncias inesquecíveis, que se chamavam Quaraí e Itaqui, com todo o segredo da poesia que nos devolvem...”

“Terra Xucra”, livro de memórias, valoriza as coisas comuns da querência. Nesse livro, comentas tuas impressões de menino e revives o cenário gaúcho, mostrando-nos uma forma de amar e respeitar a vida. “A paisagem mais constante da memória é a de uma cidade pequena, de casa com telhados baixos, de longos beirais, à margem de um rio largo e azul...”

Em “Mormaço”, tuas reflexões conduzem o leitor a uma viagem interior, o mormaço de uma vida sempre igual, entre sol e poeira ou chuva e sol: “Se alguém desejou, alguma vez, evadir-se de si mesmo, que compreenda a angústia de um aprisionado de tudo A natureza era minha sedução.”

O hábito das anotações, de certa maneira, para ti, caro poeta e escritor, favoreceu o recordar e a memória seguiu sem travas. Em tudo o que escreves percebemos um estar à vontade na medida em que, com maestria, restauras a ordem dos acontecimentos, uma integração perfeita entre o menino e o seu meio, um modo de recordar e perceber que a vida campeira é a fonte para compreender a natureza.

Caro, Manoelito, onde estiveres...

Guardamos na lembrança a tua escrita que não trata apenas das tuas memórias, mas da tua gente, da tua terra – histórias de vida, pessoal e coletiva. História para lembrar, memória para contar, as duas faces do mesmo universo, que tem como fonte primeva o amor acendrado pela terra natal. Para ti dedicamos essa breve e sincera homenagem.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895