As Honorinas

As Honorinas

Diretora do Museu de Julio de Castilhos, Doris Couto, aborda a homenagem para Honorina de Castilhos, em mostra no Museu

Doris Couto *

O Museu Julio de Castilhos homenageia Honorina de Castilhos com a réplica de um de seus vestidos em "Narrativas do Feminino"

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Muitas histórias povoam as lendas urbanas e a mente de quem imagina a vida de Honorina Martins França da Costa, mulher nascida na cidade de Pelotas, no ano de 1862, filha de um político do Partido Republicano, que se casara, em 17 de maio de 1883, aos 21 anos, com Julio de Castilhos, tornando-se Honorina Castilhos – esposa do jovem e promissor político gaúcho que viria a ser o presidente do Rio Grande do Sul.

Naquela época, a Princesa do Sul, cidade de Honorina e minha também, vivia em pleno ciclo do charque, com abate de cerca de 400 mil cabeças de gado por ano, às custas do sofrimento dos escravizados, responsáveis diariamente pelo trabalho de abate, salga e movimentação de montanhas de couro e milhares de carcaças, a quem só lhes libertava a alma o som potente do sopapo, elo inquebrável com a ancestralidade africana.

Não se sabe muito sobre Honorina, contudo presume-se que não se tratava de uma moça da classe social mais modesta, dado que nas cartas que Julio lhe enviava, ainda quando noivos, recomendava-lhe a leitura dos filósofos clássicos, dos estudos de música (piano) e a dedicação à pintura, indicando instrução acima da média.

De certo há que ela amou intensamente seu Julio e dedicou-lhe atenção e afeto, foi uma abolicionista que organizava, com outras mulheres, eventos para arrecadar fundos com vistas a comprar alforrias e coordenou a missão abolicionista do 3º Distrito de Porto Alegre (situado entre as ruas Ramiro Barcellos e Mariante, Mostardeiro e Caminho do Meio, atuais avenidas Protásio Alves e Osvaldo Aranha), percorrendo as chácaras com Miguelina Werna, Margarida Salgado, Francisca de Menezes Lara, Julieta de Oliveira, Cândida de Oliveira Vale e Inês Cordeiro para convencer os proprietários de escravos a libertá-los. Como resultado, a Comissão teria encontrado 159 escravos, dos quais 134 foram libertos. Nessa região, formou-se a Colônia Africana, um dos territórios negros da cidade.
Para as mulheres deste século pode parecer pouco, mas ao lançarmos a lente do tempo sobre ela, encontramos uma mulher que militou por uma causa, que invadia o gabinete do governador para fechar a janela que batia ao vento, que lhe pusera um cachecol no pescoço em meio a uma entrevista que concedia para um jornalista estrangeiro, demonstrando que não era uma intrusa, mas a dona da casa, que segura de si, abria a porta e entrava.

Hoje, somos Honorinas de outros tempos, antenadas e conectadas, profissionais em todas as áreas, com pautas que são resquícios dos tempos de Honorina de Castilhos, de uma sociedade que fez invisível o papel da mulher, de um processo documental e da história oficial e da historiografia que ocultou o protagonismo daquelas que dominavam a vida nas estâncias e nas cidades, que discutiam com seus homens e assumiam muito mais que as tarefas da casa, tecendo políticas a partir de suas salas de estar.

Neste mês de março, o Museu Julio de Castilhos homenageia Honorina, tornando-a presente na Exposição Narrativas do Feminino por meio da réplica de um de seus vestidos, produzido pelas estilistas Júlia e Solaine Piccoli, dialogando também com a História da Moda, capaz de nos dizer muito sobre a sociedade, a partir dos hábitos do vestir de determinado período e grupo social.

 

* Diretora do Museu Julio de Castilhos

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895