Celso Gutfreind: Sobre seus novos poemas

Celso Gutfreind: Sobre seus novos poemas

De um poeta a outro, o escritor Armindo Trevisan analisa a obra do autor de 59 anos lançada neste ano

Armindo Trevisan *

Escritor Celso Gutfreind que lançou recentemente o seu novo livro de poemas, ‘o auge de minha é quando não ando sozinho’ pela editora Artes & Ecos

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Aos leitores do Caderno de Sábado começo por sugerir a leitura do prefácio que Maria da Glória Bordini escreveu para a coletânea poética, que acaba de ser publicada, de Celso Gutfreind: "O auge de minha coragem". Não receio iniciar meus comentário à dita coletânea, admitindo sua relativa inutilidade. Prefiro que meus leitores, primeiramente, absorvam as eruditas reflexões que a Professora faz sobre Celso. O texto de Maria da Glória é um dos mais lúcidos, penetrantes, e bem elaborados textos que li, recentemente, sobre a produção lírica de poetas jovens.

A partir dessa observação, que acrescentarei ao Prefácio de Maria da Glória?

Direi o seguinte: a poesia de Gutfreind é um dos lirismos mais originais, inventivos, e revolucionários das novas gerações. Confesso-me um leitor iniciante em tais aspectos da Nova Poesia pós-Informática. Discordo, todavia, dos “saudosistas” que não têm paciência para ler (e assimilarem) os poemas dos jovens ou semijovens. Não obstante, afirmo que o jeito de fazer poema de Gutfreind é muito especial. Advirto que nem tudo o que nele, e nos seus colegas de geração, se considera poesia, pode ser, automaticamente Poesia. Possivelmente, os leitores conhecem a definição de poesia de William Wordsworth (1770-1850): “A poesia é a emoção revivida na tranquilidade”. Pois bem, para alguns poetas contemporâneos, a poesia já não é a emoção “revivida na tranquilidade”, mas sim, a emoção revivida no furor, na irritação, no júbilo, na crítica ácida, na supressão dos valores, no elogio ao trivial, etc., com os seus desafios insaciáveis, com seus tumultos cósmicos, com suas autossuficiências.


Devido a isso, criaremos zonas de exclusão para a Poesia? Penso que não. A Poesia terá de assumir os novos tempos, em que o eu de cada invidíduo se amplifica pela opressão informativa, haurida por exemplo no Google e em outros serviços paralelos. Está difícil para um jovem avizinhar sua mente e seu coração às grandes Cosmovisões do passado. Tudo agora é prêt-à-porter, inclusive o poema. Tudo é célere, industrializado, comercializado, globalizado. Os poetas de hoje, sem dúvida, não viajam em carruagens como até “recentemente” viajava Goethe. Mas poderiam imitar um inovador como Francis Ponge que, de quando em quando, se retirava a uma casa de campo, para ruminar suas criações encantadoras.

Fixemo-nos nos poemas de Gutfreind. Rogo aos leitores que observem, entre outras coisas, seu viés caleidoscópico. Os poemas de Gufreind são visivelmente centrífugos e – paradoxalmente! – com ressonâncias centrípetas. Por incrível que pareça, existe um Gutfreind existencial, atento a todos os pormenores da vida de hoje,, e um Gutfreind pensador, metafísico em alguns momentos, usuário de insights instantâneos, como o são o Nescafé e dezenas de outros produtos solúveis de nossos supermercados. Com uma diferença: dado que ele usa essa palavra, transcrevamos um de seus poemas, que nos parece resvalar o que o poeta sente de mais peculiar em si:


– A palavra é o que de mais consistente haverá/ para te agarrares/ em meio ao som/ gasos,./por isso cuida bem dela:/lima e lustra em si,/mais o que está ao redor,/antes, durante, depois./E não esqueças:/ ela veio do olhar,/tocar, brincar, cantar/ e, no próximo silêncio, /será menos consistente:/a força estárá em dizê-la.”


Vale a pena registrar que a pretensão do poema é sincera e profissional. Gutfreind pretende dizer. No entanto, o poeta tende a esquecer o que disse no início do poema, quando aconselhou o leitor a se agarrar em meio ao som gasoso. Noutras palavras, o poeta talvez tenha sugerido até os gases das Galáxias do Cosmos! Ou – quem sabe – talvez se refira ao som gasoso que nos ensurdece numa qualquer avenida da Capital...


Na minha opinião, a leitura dos poemas de Gutfreind revela um lirismo autêntico, com quebras de tensões, complicadas embora compreensíveis, que pressupõem um Indivíduo que muito estudou, que se pós-graduou, que e é uma referência na sua área profissional. Volto a insistir: com uma diferença: a sensibilidade de Celso se situa, simultaneamente, nos dois assentos opostos de uma gangorra: de um lado ele vê o que todo o mundo vê, e de outro lado, vê o que ninguém vê, as oposições, as desigualdades, os absurdos, as angústias, as ideologias, as contradições, os risos e as lágrimas...O poeta sabe que a Humanidade, atualmente, está muito longe das “Weltanschauungs” que ainda ontem encantavam as pessoas! 


Percebo uma outra realidade nos poemas atuais de Gutfreimnd: a preocupação humanista. Diria, sem exagero, que certos poemas seus sugerem abreviaturas rítmicas, que guardam uma vaga atmosfere da “Fanopéia” e da “Melopéia” poundianas, e resquícios consentidos de seu cosmopolitismo. Tais qualidades mais subjacentes que evidentes, tornam seu livro de poemas quase de leitura obrigatória – aos interessados em poesia, que se darão conta de que o poeta merece estar onde ele está, numa sorte de pioneirismo. 

Que Gutfreind, pois, seja lido, uma vez que ele continua a ser o sedutor dos velhos tempos de “A Gema e o Amarelo”, e do “Hotelzinho da Sertório”, agora com intromissões sagazes de Brecht ,e de inúmeros vates da Modernidade, inclusive de Cançonetistas com nomes consagrados no Brasil, na América Latina, e na Europa. 

Uma última sugestão: que a leituras de seus poemas seja feita como pedia (quase suplicava Ferreira Gullar): devagar. Também por uma razão que me apraz citar: seu lirismo possui uma base esperançosa. 

* Escritor, poeta, crítico de arte, ensaísta e teólogo. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895