'Com a chegada do Eliúde, passei a reavaliar a vida’

'Com a chegada do Eliúde, passei a reavaliar a vida’

Ator Igor Cotrim, de 47 anos, fala da transformação de sua vida a partir dos papéis em novelas e séries da Record

Luciamem Winck

Igor Cotrim: Foi uma grande alegria estar em "Reis", depois de ter trabalhado em "Gênesis"

publicidade

O ator Igor Cotrim, de 47 anos, é uma das estrelas de "Reis", nova superprodução bíblica da Record TV. Igor, que já acumula diversos trabalhos na televisão, classifica o novo trabalho como um “presente” da Record TV. O ator, que está no segundo trabalho na emissora, interpreta Eliúde e fala sobre a importância da trama para sua vida pessoal. A derrocada do personagem fez acender um sinal de alerta para o artista que, de uma vez por todas, retirou as bebidas alcoólicas de sua vida. De acordo com o ator, a decadência do personagem serviu como um “contra espelho”. Foi por meio de Elíude que conseguiu perceber o que não desejava para a própria vida. "Por causa do personagem, eu cortei bebida. Já tive problemas com exagero de beber”, confidenciou. O exercício profissional tem sido de constantes aprendizados e lições de vida para Igor. Foi nas gravações de "Gênesis", onde interpretou Simeão, o irmão malvado que maltrata José do Egito (Juliano Laham), até chegar ao ponto de comercializá-lo como escravo, que ele tomou uma decisão após receber o perdão de quem tanto maltratara. 

O perdão de José do Egito foi o ponto de partida para uma decisão, que há muito esperava por ele. Igor tomou coragem e foi procurar o pai, que ironicamente se chama José, para um novo recomeço. Na vida real, pai e filho não se falavam há muito tempo. Para ele, "a arte imita a vida mais do que a vida imita a arte". “Eliúde foi um presente maravilhoso, aprendi muito com sua trajetória e espero muito que vocês se emocionem com essa história”, frisou. Com o fim dos trabalhos na produção, Igor agora passa a se dedicar a outros projetos no teatro e no cinema. Em meio a sua participação em Reis, Igor foi convidado a estrelar no filme "Espelho Sujo", de Elder Fraga. Igor igualmente comemora a premiação recebida pelo filme "Os Príncipes", de Luiz Rosemberg Filho, no Chile. O ator atuou com Ana Abbott, Patricia Niedermeier e Tonico Pereira, tendo recebido distinção de melhor ator na mostra competitiva do Cine Pernambuco. 

Igor, mergulhaste de cabeça no personagem Eliúde, em Reis, a nova superprodução bíblica da Record TV. O que Eliúde representa na tua carreira?

O Eliúde é um personagem ficcional. Essa parte que nós estamos contando é antes dos reis Saul, Davi, Salomão e tantos outros. Estamos retratando essa parte em que o povo está completamente descrente dos homens santos, dos que lidam com o tabernáculo, que são os levitas. No caso o sacerdote e juiz de Israel, Eli, e os dois filhos Hofni e Finéias são corruptos. Meu personagem, o Eliúde, é o que se decepciona em relação a eles estarem roubando as ofertas. Poder fazer um personagem, que mesmo não sendo um personagem que está na Bíblia, mas a função dele para potencializar essas passagens dos filhos do Eli em relação a roubarem as ofertas e também o desenrolar do que vai acontecer com ele na trama e toda uma situação que vai envolver a Arca da Aliança. É uma oportunidade de poder fazer um personagem com tantas camadas diferentes, com um arco de personagem incrível que ele modifica muito, pelos percalços que ele passa. Eu costumo brincar que há dois arcos. O do personagem, um arco e flecha que ele usa como arma no Exército de Israel, e a  Arca da Aliança. É um presente realmente que recebi, poder dar a vida para esse personagem que, ao se decepcionar, vai procurar os outros deuses. Então, ele fica com uma moral elástica em relação ao que ele confia, porque os homens de Israel estavam roubando as ofertas. Então ele começa a se questionar sobre os desvios e resolve procurar outros deuses. É um personagem complexo e um grande desafio.

Estás no segundo trabalho na emissora. Qual a importância da trama para a tua vida pessoal?
Foi uma alegria muito grande estar em "Reis", depois de ter trabalhado em "Gênesis". Eu cheguei nos 49 minutos do segundo tempo antes de Cristo, bastante antes de Cristo, para fazer essa história. Eu conhecia a história do "José do Egito". Poder interpretar Simeão, e por ele ser o mais vicioso e o mais violento dos irmãos, ficou o ensinamento do perdão que o José tem com os irmãos depois que eles vão lá para o Egito e encontram ele como governador. Então, isso me ajudou muito a me perdoar, a conseguir perdoar as outras coisas. Eu voltei a falar com meu pai no meio. Uma pessoa muito querida para mim me incentivou a procurá-lo. E o nome do meu pai é José. Eu voltei a falar com ele antes, ele nem sabia e ficou muito feliz. E logo em seguida poder dar vida para o personagem Eliúde. E, com que ele passa, enfrentando decepções, tristezas e revoltas, serviu como um contraexemplo. Ele vai ensinar as pessoas a não se afastarem de Deus, a serem resilientes. O personagem tem uma perda e se perde. Começa a beber, começa a conviver com prostitutas e acaba por trair a esposa. E esse comportamento culminará em algo muito pior (mas não posso antecipar). Interpretando esse papel, tive um despertar para a vida. Parei de beber. A derrocada de Eliúde serviu como um espelho para mim, possibilitando que eu consertasse o que estava errado. Hoje amo a pessoa que vejo no espelho. 

É verdade que o personagem fez você mudar os rumos da vida pessoal? Em que ele contribuiu?
Sim, eu resolvi me cuidar mais. Quando interpretei Simeão, em Gênesis, foi muita violência. Eu comecei fazer terapia para poder efetivamente separar a vida do Igor da vida dos personagens. Eu fiz o Boca de Lixeira também. Foi um sucesso imenso, mas eu tive essa atitude rebelde do personagem muitas vezes e agora, com a maturidade, vendo essa parte do perdão do Simeão. Até para poder fazer os bastidores serem mais leves. Em "Gênesis", chamava por “meus irmãos” para tudo, inclusive para atirar José no poço e para vendê-lo como escravo, depois. E isso virou uma brincadeira também nos bastidores, que se seguiu também com "Reis". O ambiente bom de bastidor me ajudou a poder ficar de um jeito muito mais tranquilo e também por conta da terapia. Com a chegada do Eliúde, passei a reavaliar a vida. Tive a alegria de ter muitas felicidades no meio da pandemia, em relação a trabalho, a reencontros com pessoas importantes, voltei a falar meu com meu pai. E aí realmente tomei a decisão de não beber, cuidar da minha saúde e cuidar de mim, porque para eu poder cuidar de alguém eu tenho que cuidar primeiro de mim. É como uma viagem de avião: “Coloque a máscara primeiro em você para poder auxiliar outra pessoa”. Agora eu estou me amando e me cuidando bem.

Que reflexão fizeste quando começou a entender a história que seria contada por teu personagem em Reis?
A vida ela é cheia de altos, baixos e revezes. E você tem que saber lidar com ela. Eu comecei a gravar a série, ao contrário, porque nós fomos gravar nos trigais, em Guarapuava (PR). Comecei as gravações pelo final. Voltando e vendo o personagem desde o começo, a parte boa, a união familiar, mesmo sendo patriarco, ele tem uma relação boa com os filhos, com a mulher e aí vendo todas as coisas ruins que acontecem, ele se deixa levar pela parte dos homens. E, trazendo para a vida, muitas vezes você sabe alguma desagradável e fica com raiva dentro de si e te aparta de uma energia boa, porque Deus está dentro de você. Você tem que saber acessar e vendo esse personagem, literalmente, descendo ladeira abaixo, me fez refletir. E olha só que momento de vida. Voltei a falar com meu pai fazendo Gênesis. Agora eu estou nesse momento de poder me reconectar comigo mesmo, com as minhas partes boas e cicatrizar os machucados. Vi a oportunidade nesse personagem... Já está bem, já curti muita coisa, eu quero saúde, quero calma, quero paz e quero o amor da pessoa que eu amo. Então, eu decidi ficar realmente sóbrio, lúcido e potencializando as minhas relações. Gosto muito do meu trabalho, eu gosto do que eu faço e sei que eu faço com amor. Mas não é só ação. O importante é viver e poder se movimentar de um jeito bom.

A decadência do personagem serviu como um “contra espelho” de tudo aquilo que queres para a própria vida? Por quê?
E não só o olhando o Eliúde, mas olhando a história mesmo. Nesse contexto, tivemos uma palestra com um arqueólogo antes do início das gravações, para dar o contexto sociocultural e político da época. E vendo as falcatruas que aconteciam no entorno do tabernáculo e usando as coisas em proveito próprio, tirando a fé do povo. Então, vendo esse ambiente no capítulo A Decepção, de Reis, onde todos se apartam das energias boas, que seria Deus. Essa parte de você estar em paz e querer o bem dos outros. E essa passagem é do velho testamento, ainda nem veio Jesus para chegar ao novo testamento. Era uma época muito mais crua. Só que vendo tudo que os personagens passam, o reflexo bateu para mim. O Eliúde me mostrou que as pessoas não podem se deixar abater ou se revoltar por coisas advindas de outra pessoa. A responsabilidade desse déficit será dessa pessoa. Não te cabe ficar sofrendo por conta disso. O Eliúde, em sua revolta, se aparta de Deus e sai em busca de outros deuses, em um tipo de malabarismo religioso. Se um Deus falha, o outro ajuda...  Foi quando despertei e compreendi que eu precisava confiar em mim, no meu Deus, na minha energia e me cuidar o melhor possível. É assim que é e precisamos ficar atentos e vencer todos os dias, e agradecer todos os dias por estarmos com saúde. A gente enfrentou uma pandemia... Vários amigos e técnicos ficaram sem poder ter trabalho e tive essa benção de estar num lugar ainda falando de coisas edificantes, coisas bacanas e com a possibilidade de fazer um tipo de personagem diferenciado. Então isso foi um uma coisa que, além da parte artística, pessoalmente foi muito importante, porque resolvi me cuidar com muito mais carinho.

Você já acumula diversos trabalhos na televisão. Como classifica o novo trabalho da Record TV?
Na verdade, eu fiz trabalhos mais específicos. Tenho uma carreira que me orgulha. Do cinema, vieram coisas muito importantes para mim. Tive um começo muito bom, com Sandy & Júnior, mas são coisas icônicas. O personagem Floribela encantou as pessoas. Eu já tinha trabalhado anteriormente na Record, fazendo "Chamas da Vida", que está reprisando à tarde. Eu acho que eu sou o único do elenco de "Chamas da Vida" que está em "Reis". Então, eu estou duas vezes agora na grade (risos). A Rede Record recordou de mim. Agora, nessa volta fui muito bem recebido. Foi recebido de um jeito muito carinhoso. Voltar para fazer uma novela bíblica e me encantei ao saber que seria na passagem do "José do Egito" e envolvia uma história muito linda. Quando cheguei fui surpreendido por uma superprodução, com cuidado maravilhoso e com material humano incrível.  As maquiadoras, os câmeras, o pessoal do som, a produção, o pessoal da água, da limpeza. Imagina, senão tem o pessoal da água, seria impossível. Ficamos duas semanas na fazenda, gravando as cenas de batalha. Se não tem o pessoal do guarda-sol e da água, a gente não consegue. São imprescindíveis. Isso é uma coisa muito boa na volta à Record, tanto que chamo a todos, sem distinção, de “meus irmãos”.

Há alguma semelhança entre Simeão, de "Gênesis", e Eliúde, em "Reis"? 
Eu fico muito feliz que os personagens eles são muito diferentes, porque a situação é muito diferente. O intérprete é o mesmo, eu tendo que dar subsídios meus pra criar os personagens. O Simeão é muito mais bruto, muito virulento e muito vicioso. Tudo gira em torno da primogenitura que o pai não está dando para Ruben, que era o filho mais velho, em benefício do José, um dos mais novos. Ele então ficou revoltado por achar que o pai estava errado. Já o Eliúde é mais tranquilo, só que se deixa levar pela pelo erro dos homens e se larga. O Simeão, mesmo sendo violento, recebe o perdão e consegue perdoar. Com o Eliúde, a derrocada dele vai ser muito importante para as pessoas verem e refletirem.

Com mais de 25 anos de profissão, o cinema também tem espaço na tua carreira, dando vida a diversos personagens e sendo premiado por algumas dessas interpretações. De onde vem a versatilidade para compor teus personagens, já que não te fixas em um gênero nem em um estilo de interpretação?
Sou ator formado na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo. Quando eu era criança, meu pai fez um quarto separado da casa para eu assistir filmes. Filmes do Alfred Hitchcock, do Akira Kurosawa, Jean-Luc Godard, do John Ford e do Sergio Leone que me deram uma bagagem muito grande de cinema. Eu sempre via e fui me interessando pelas histórias. Tive uma oportunidade de fazer papéis diferentes, como  a travesti, em Elvis & Madona. Conquistei  seis prêmios com a interpretação. O  filme foi premiado no mundo inteiro e é um filme muito lindo. É um presente poder dar vida para personagens com outras vibrações. É  mágico poder viver várias vidas.  

Fala um pouco sobre o filme ficcional sobre Nietzsche. "O Martelo e a Coroa”, é um filme ficcional sobre um possível diálogo entre o filósofo Nietzsche e o Imperador Dom Pedro II. Como está sendo trabalhar com Werner Schünemann?
O Bruno de Souza é um diretor mineiro que me veio com esse roteiro ficcional, de um suposto encontro entre o Dom Pedro II e Nietzsche. O roteiro foi acompanhado por professores de Filosofia, para que os diálogos fossem pertinentes. O Werner Schünemann é um ator maravilhoso. Nós tivemos atores de lá de Minas Gerais também. Adriana Lessa faz uma participação incrível também, em uma cena que retrata uma alucinação do Nietzsche, que ficou muito bacana. Foi uma oportunidade de fazer um personagem histórico para os dois. Vou ajudar o diretor na montagem, mas é a primeira vez que eu vou auxiliar na pós-produção de um filme muito bacana.

Quando você não está envolvido em gravações, o que costuma fazer em horários de lazer? Pratica algum esporte?
Quando eu não estou no trabalho e não estou estudando, gosto de assistir filmes e séries. Gosto de escrever, eu escrevo poesia, tenho um livro lançado chamado “Ali  Como Lá”, da Ibis Libris. Também estou priorizando os treinos, para cuidar do corpo… Estou fazendo treino funcional e prancha para deixar o “instrumento” pronto para os próximos personagens. 

Como enfrentou a pandemia? Foi um momento difícil?
A pandemia foi difícil para todos. Muitos técnicos, atores e diretores ficaram sem trabalho. Por  incrível que pareça e graças a Deus eu tive uma bênção muito grande. Em plena pandemia fiz a  série “Rally, paixões e fúria nos sertões do Brasil”, junto com Jarbas Homem de Mello, a Maximiliana Reis e Adriana Lessa. Na gravação eu reencontrei a Adriana, depois de 17 anos. Somos amigos desde os tempos da Associação Cristã de Moços. Depois eu fiz “Amado”, um filme policial de Eduardo Felistoque, gravado Ceilândia. Na sequência, entrei em Gênesis e aí começou a rolar todas as outras coisas. Mas foi com bastante cuidado, álcool em gel, não aglomerando, fazendo os testes durante as produções que fiz nesse período, me cuidando e graças a Deus passei incólume.  


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895