Do luto a uma aliança pela vida em "De Mãos Dadas"

Do luto a uma aliança pela vida em "De Mãos Dadas"

Palhaço Claudio Thebas e psicólogo Alexandre Coimbra Amaral falam sobre o livro que trata do luto, do abraço em palavras e do pacto pela vida

Luiz Gonzaga Lopes

Claudio Thebas e Alexandre Coimbra Amaral, autores do livro "De Mãos Dadas"

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No livro “De mãos dadas”, que foi lançado em setembro pelo selo Ediciones Paidós, da Editora Planeta, um palhaço e um psicólogo conversam sobre a coragem de viver o luto e as belezas que nascem desta despedida. O palhaço Claudio Thebas e o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral constroem um livro sobre o luto, mas longe de ser triste. Cláudio perdeu sua mãe, e logo começou a escrever crônicas sobre o luto. Alexandre lhe estendeu as mãos e foi comentando as palavras do amigo. Um abraço em palavras em meio a uma pandemia sem precedentes. Nascia, assim, um livro poético, suave, profundo e que tem momentos divertidos. Eles nos convidam a entender que é possível fazer do luto uma aliança pela vida. Nesta entrevista concedida ao CS, os dois falam sobre esta reconstrução a partir do luto e sobre a realidade dos seus ofícios durante a pandemia e atualmente. 


Por que é tão difícil trabalhar com o luto, sentir o luto, os silêncios e as formas de lidar para que este luto seja natural, para que a gente possa fazer o desligamento?
Alexandre Coimbra Amaral - A cultura ocidental tem como um dos pilares o evitar a morte. Se nós evitamos a morte, evitamos a elaboração do luto, que é uma transição psicossocial de um estado com aquela pessoa para um sem aquela pessoa. É uma ausência que tudo transforma na vida. A gente precisa de muito tempo para elaborar. Como a gente nega a morte, não conversa sobre luto, também não prepara as pessoas para viver o luto. 
Claudio Thebas - Uma das dificuldades de lidar com o luto é conciliar o cuidar de si com o cuidar das outras pessoas na volta. Muitos dos meus lutos não vividos plenamente foram pela preocupação dos outros à volta. Quando morreu a minha avó, eu fiquei tão preocupado com minha mãe e o luto por minha avó ficou em segundo plano. Os lutos não vividos vão se acumulando. A partir da perda da minha mãe, voltei a viver o luto pela perda da minha avó, do meu pai, da minha irmã. Uma dificuldade é conciliar o tempo externo e o tempo interno, o tempo que você precisa para viver e o tempo externo que te convoca a cuidar e não a ser cuidado. 


Como foi esta criação conjunta, de mãos dadas, entre vocês dois e qual a repercussão do livro na vida de vocês? 
Alexandre - A repercussão mais importante do livro foi a amizade do Claudio. Desde que o conheci com “O Palhaço e o Psicanalista” eu tive vontade de estar próximo, de ser amigo dele. A gente foi construindo uma relação, pois somos editados pelo mesmo selo da Planeta, pelo mesmo editor. O que ele muda na minha vida é que primeiro a gente construiu um livro que está fazendo muito sentido para as pessoas, em um momento muito delicado da vida das pessoas, que estão precisando falar das mortes que aconteceram na pandemia. A gente não teve esta dimensão do apoio social por conta do isolamento. A gente está feliz com o que ele vem desempenhando de profundo apoio às pessoas enlutadas. 
Claudio - Cada vez mais eu percebo o quanto o título ‘De Mãos Dadas’ é oportuno, pois cada pessoa que o lê também está de mãos dadas com a gente. O livro continua sendo composto com esta rede que se forma. A gente não é uma ilha e se a gente se sentir ilhado que a gente perceba no mar em volta quanta vida existe. Tive a sorte de estar de mãos dadas com o Alexandre, com minha família e agora com os leitores. O livro transforma o meu olhar sobre a importância de viver cada instante. Hoje eu tenho o Alexandre como um amigo e não consigo imaginar a vida sem ele. 


Alexandre, como você trata com esta fuga da ajuda psicológica, que por vezes assola as pessoas?
Alexandre -
A psicologia viveu um ‘boom’ na pandemia. As pessoas que já não estavam fazendo qualquer tipo de trabalho terapêutico e que tinham acesso (pois a psicologia se faz com acesso, pelo SUS como em outros tempos), passaram a respeitar mais o trabalho dos psicólogos. Isto foi impactante para mim, pois quando me formei no final do século passado, eu tinha a impressão de que a psicologia era uma ciência da saúde mais periférica, do ponto de vista de como o mundo lidava com ela. Antes da pandemia já vinha em um crescente de reconhecimento, mas na pandemia se transformou ainda mais. Todos os psicólogos que trabalham com temas relacionados aos sofrimentos humanos típicos da pandemia ficaram colapsados de trabalho. Agora a gente tem uma abertura maior de projetos de trabalho em vários espaços da sociedade: em hospitais, escolas, empresas, centros comunitários, movimentos sociais, nos presídios, nos tratamentos não manicomialistas. 


Claudio, qual a importância do teu ofício neste momento?
Claudio -
Eu tive uma enorme sorte de ter encontrado esta linguagem há quase 30 anos, porque ela me oferece recursos para um profundo acolhimento da minha humanidade. O palhaço se difere do ator, porque o ator vai interpretar uma alegria. Ao revelar uma profunda tristeza, o palhaço se conecta com a plateia, pois ali temos pessoas que já ficaram tristes. O riso que o palhaço faz brotar nestas circunstâncias de dor é um riso de não se perceber tão só, que tem companhia, que nossa inadequação é cabível e que nossos sentimentos são merecedores de ser acolhidos: raiva, tristeza, angústia. O palhaço foi me oferecendo repertório para trazer um sorriso para dor, não para fingir que a dor não dói, mas para perceber que a dor pode sorrir de vez em quando. 

 

 


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