Do século XIX para as redes sociais

Do século XIX para as redes sociais

Priscilla Casagrande*

Em 1898, em seu ateliê na Itália, recebe a visita do presidente Campos Salles, que demonstra interesse em comprar a tela ‘Tempora Mutantur’

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Artista cuja produção se faz presente em museus e acervos nacionais e principalmente em coleções particulares foi um dos grandes nomes da pintura acadêmica brasileira na virada do século XIX para o século XX. Pedro Weingärtner (1853-1929) foi pintor, desenhista, litógrafo, professor e um dos mais importantes artistas da transição do Império para a República. Sua vasta obra com temas de gêneros e costumes, retratos e paisagens estará disponível através de um projeto online que busca recuperar o legado e a história do pintor por meio de imagens e textos. A novidade foi pensada por conta dos novos modelos de interação construídos pela Internet e pelas redes sociais. A intenção é aproximar a obra pictórica de Weingärtner e também contar a sua história não só para os amantes da arte, mas para o público em geral. 

Mas quais caminhos Weingärtner trilhou para se tornar um artista visual no século XIX? Natural de Porto Alegre, Weingärtner vinha de uma família de descendentes alemães, e seu primeiro contato com as artes plásticas se deu junto do pai, do tio e do irmão, sendo que o último foi fundador de uma importante litografia. Apesar da família vivenciar a rotina artística, foi com o pintor fluminense Delfim da Câmara (1834-1916), que na ocasião morava na capital gaúcha, que Weingärtner teve as suas primeiras lições. Contrariando seus contemporâneos, que começavam os estudos na Escola Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, Weingärtner, aos 24 anos, decidiu se aperfeiçoar na Europa. Por conta própria, deixou a capital gaúcha a contragosto da família, desembarcou na Alemanha em 1878, e foi lá que começou seus primeiros estudos sobre anatomia humana. 
Weingärtner tinha algo mais a seu favor além do talento: havia a facilidade de se comunicar em outros idiomas. O pintor dominava o alemão, língua de seus pais, e compreendia italiano e francês. Assim, quando chegou na Alemanha, Weingärtner passou pelas Escolas de Belas Artes nas cidades de Hamburgo, Baden e Karlsruhe. Contudo, as dificuldades financeiras surgiram, e foi só com a ajuda de alguns amigos e mecenas que, em 1882, o jovem artista muda-se para Paris, na França. Lá matricula-se na prestigiada Académie Julian. Na escola, desenvolveu a técnica da pintura acadêmica sob orientação de professores considerados grandes nomes do estilo neoclássico na época, como Tony Robert-Fleury (1837-1911) e Willian Adolphe Bouguereau (1825-1905). 

Em Paris, Weingärtner absorveu bastante conhecimento e aprimorou sua técnica, produzindo obras com temas mitológicos e clássicos. Vendo as dificuldades pelas quais passava, consta que Bouguereau foi quem escreveu uma carta destinada ao Imperador Dom Pedro II (1825-1891) pedindo ajuda financeira ao artista gaúcho. Graças a esse intermédio, a pensão oficial do Império foi concedida, e assim Weingärtner pôde se instalar, em 1886, na cidade de Roma, na Itália, onde abriu seu primeiro ateliê. 
Um ano depois, o artista pede uma licença ao Império para retornar ao Brasil, onde realiza sua primeira exposição, em Porto Alegre. Mas é somente em 1888, que Weingärtner alcança reconhecimento através da sua mostra individual, no Rio de Janeiro. A crítica da época destacou a qualidade nas pinturas do artista e os temas escolhidos por ele, ganhando inclusive notas nas capas dos jornais fluminenses. 

Desde então, suas obras passaram a ser comercializadas com frequência entre os colecionadores do eixo Rio de Janeiro - São Paulo. Com idas e vindas entre Brasil e Europa, o artista nunca deixou de produzir. O seu prestígio cresceu, inclusive, após o fim do Império, tanto é que em 1891, já no período republicano, o Presidente Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892) o nomeou professor de desenho figurado da Escola Nacional de Belas Artes, onde lecionou por três anos. Sua fama já era notável: em 1898, por exemplo, em seu ateliê na Itália, recebe a visita do então Presidente Campos Salles (1841-1913), que demonstra interesse em comprar a tela “Tempora Mutantur”. Apesar disso, o artista negou-se a vender o quadro, alegando que a era destinada à sua terra natal: hoje essa tela faz parte do acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). 

Acredita-se que Weingärtner contribuiu plasticamente através de sua obra para a democratização da cultura visual por meio das suas pinturas retratando paisagem do Rio Grande do Sul para o Brasil e para o mundo, o que até então era incipiente. Apesar do seu pioneirismo no tema da paisagem sulista e da qualidade de sua obra, o artista segue desconhecido pelo grande público. Pensando nisso, o Projeto Pedro Weingärtner (www.instagram.com/projetopweingartner) foi criado com o objetivo de preservar e divulgar a memória da vida e da obra do artista gaúcho. 

A ferramenta promete reunir informações de uma forma simples e acessível, por meio da publicação das imagens das obras, notícias, lives com historiadores e pesquisadores. A intenção é ampliar as referências sobre Weingärtner, aproximando a pintura brasileira do século XIX aos usuários das redes sociais. O projeto é o pontapé inicial para as comemorações em decorrência dos 170 anos de nascimento do artista, que se dará em 2023, e visa relembrar curadores, instituições e o público em geral sobre a importância de Weingärtner na construção da identidade regional gaúcha, assim como sua contribuição para a arte brasileira.

* Mestranda em História e Crítica da Arte - PPG em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ

 


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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895