Indigentes e indigestos

Indigentes e indigestos

Diretor teatral Luciano Alabarse apresenta em artigo a sua nova peça, “Sangue e Pudins”, que estreia em janeiro no Porto Verão Alegre

Correio do Povo

Diretor teatral Luciano Alabarse está estreando nova peça, "Sangue e Pudins", em janeiro, pelo Porto Verão Alegre

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Violência explícita. Violência psicológica. Violência urbana. Violência disfarçada. Violência implícita. Violência. “Sangue e Pudins” é uma peça cujo tema central é a violência, em todos os seus aspectos e formas, escancaradas ou sob disfarce, violência social e violência individual, com ou sem sangue, com ou sem “bulling”, com ou sem prévia manifestação. Uma peça sobre violência, uma encenação urgente. Um texto corrosivo. Um texto cruel. Um texto que dói.

“Sangue e Pudins” retrata, em cenas duras e impactantes, personagens de uma geração que entende o consumo e as transações da sociedade capitalista como única forma de interação possível. As pessoas e seus manuais de sobrevivência, o pragmatismo cínico de quem precisa sobreviver num mundo hostil, as relações contaminadas por interesses financeiros e sexuais, as histórias cruzadas de personagens perdidos, o jogo e a manipulação desesperada, as trapaças e os oportunismos de vidas desesperadas, a esperança esfacelada mas presente, gritos e silêncios, omissões e oportunidades, os corações partidos, o consumismo desenfreado, dinheiro e a falta de, amores e ciúmes, posses e possessividades, um mundo distópico e indiferente.

Tempos difíceis, tempos de transbordamento e escassez. Logo no início da peça, os personagens não deixam dúvidas: estão vivendo os últimos momentos de uma problemática vida de excessos. Um triângulo amoroso que está ruindo, como tudo ao redor dos personagens: a vida sempre no fio de arame, o equilíbrio instável, o grito engasgado na garganta. Vomitam palavras. Vomitam literalmente. Estão sós, se sentem mal, querem mais. O que não lhes desce mais no estômago é tudo aquilo que lhes foi vendido como sonho e que, de uma hora para outra, se tornou pesadelo. Uma roda-gigante desgovernada, um mundo sem faixas de segurança. O mundo presente em ruínas espalhafatosas, um mundo que dispensa afetos mas consolida transações impessoais entre os homens, agigantando angústias e necessidades.

O mundo de “Sangue e Pudins” é um grande supermercado onde tudo, inclusive pessoas, é vendido sem escrúpulos ou constrangimentos. Insegurança, medo, transtorno, transações e trambiques, doenças e drogas marcam o cotidiano desses personagens à deriva de qualquer porto seguro. Nenhuma semelhança com os sonhos destroçados do presente é mera coincidência.

A violência permeia o texto, marca suas digitais nas falas, arranha o presente, agiganta a ação da peça. Violência do início ao fim. Festas que duram dias, desfiles de moda glamorosos, programas de sexo e aplicativos de compra e venda de drogas e pessoas. O mundo de “Sangue e Pudins” é punk, mercadológico, estiloso, quente e frio. Tudo no duro entorno que o texto evoca impessoaliza as possíveis relações sentimentais. Os relacionamentos são efêmeros, calculados, por conveniência e oportunidade. Vidas que gritam por ajuda, vidas sufocadas por uma sociedade industrial – que não facilita a trajetória de nenhum dos membros dessa história.

Em quatorze cenas e oito sub-cenas, o desespero, a impotência e o pragmatismo dos personagens aparecem e desaparecem, em uma espécie de parque de diversões sem alegrias. Quando começa o espetáculo, o público flagra o trio central morando em um apartamento quase vazio, sem recursos financeiros, sem saída ou esperança. Mesmo assim começam, sozinhos e abandonados, a buscar seus próprios caminhos, seus recursos, a concretização de seus sonhos de sobreviventes. A trajetória de todos embaralha os planos do grupo, e os cinco personagens se cruzam em cenas vorazes e impiedosas. Não há misericórdia ou empatia. Há apenas cálculo, pragmatismo e cenas dilacerantes. A linguagem é crua, o roteiro é sucinto. O mundo das drogas. O mundo da moda. O mundo do teatro. O mundo.

“Sangue e Pudins”, peça, parte de um texto teatral conhecido, “Shopping and Fucking” amalgado ao romance “Johnny, você me amaria se o meu fosse maior?”. A peça inglesa e o texto americano se cruzam, se esclarecem, e dão lugar a um terceiro texto, uma adaptação brasileira, fluente, ágil e ríspida. Minha adaptação não nega suas fontes, mas vai além, é outra coisa. O artifício, a mentira real, a vida recriada com beleza. Com dor, mas com beleza.

“ Eu estava trabalhando no texto e, como sempre, ouvindo muita música. Em um determinado momento, a voz de Simone me remeteu há uma canção que não ouvia há anos, e que sempre me impactou pela sua contundência. A canção era “Sangue e Pudins”, parceria de Fagner e Fausto Nilo. O resto veio naturalmente, inclusive o nome da montagem.

O elenco recrutado mescla nomes conhecidos da cena gaúcha, como Ângela Spiazzi, Pingo Alabarce e Elison Couto, com novos profissionais do teatro gaúcho como Jaques Machado e Li Pereira. Completam o elenco, Vini Gomes, Alexei Goldenberg e Vítor Stifft. “Sangue e Pudins” estreia, dentro da programação do Porto Verão Alegre, no dia 16 de janeiro de 2024, no Teatro Renascença (no Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues, Erico Verissimo, 307), às 20h30min.

SERVIÇO DO ESPETÁCULO

  • O QUE: Espetáculo “Sangue e Pudins”
  • DATA: de 16 a 18 de janeiro
  • HORÁRIO: de terça a quinta, às 20h30min
  • LOCAL: Teatro Renascença (avenida Erico Verissimo, 307 - Menino Deus)
  • INGRESSOS:
  • www.portoverãoalegre.com.br

FICHA TÉCNICA

Elenco (por ordem alfabética)

  • ANGELA SPIAZZI.........Lulu
  • ELISON COUTO............Gary
  • JAQUES MACHADO....Robbie
  • LI PEREIRA...................Mark
  • PINGO ALABARCE......Brian
  • VINI GOMES
  • VITOR STIFFT

EQUIPE DE CRIAÇÃO

  • Direção: LUCIANO ALABARSE
  • Iluminação: MAURÍCIO MOURA e JOÃO FRAGA
  • Cenário: LUCIANO ALABARSE
  • Figurinos: O GRUPO
  • Trilha Sonora: LUCIANO ALABARSE
  • Produção Executiva: JAQUES MACHADO
  • Maquiagem: O GRUPO
  • Fotos: JULIANA ALABARSE HERNANDEZ
  • Pintura Móveis: LUCIANO ALABARSE
  • Design Gráfico:
  • JAQUES MACHADO com a colaboração de PINGO ALABARCE
  • Assessoria de Imprensa: ADRIANO CESCANI – C² Comunica
  • Construção Cenário: RODRIGO SHALAKO
  • Coordenação de Produção: JAQUES MACHADO e LUCIANO ALABARSE
  • Produção: LUCIANO ALABARSE

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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895