Marcelo Duani: "Meu corpo morrerá, minha arte não"

Marcelo Duani: "Meu corpo morrerá, minha arte não"

Cantor e compositor de Viamão, o mais carioca dos gaúchos, lança dois novos singles neste ano e concede entrevista ao Caderno de Sábado

Luciamem Winck

Marcelo Duani: "O Rio Grande do Sul tem uma vasta riqueza calcada do samba"

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Nascido em Viamão, o cantor e compositor Marcelo Duani já conquistou o mundo, mas não esconde a relação de “extremo amor e gratidão” com o Rio de Janeiro. “Sempre fui muito acolhido pelo lugar, amigos e parcerias musicais. No Rio, me sinto em casa, aqui. É um lugar onde gosto de andar, de compor, de receber, dividir e somar com outros artistas amigos. O trabalho de Duani leva o sotaque carioca, apesar de ser gaúcho. Sua música é fruto de seu eterno namoro com o Rio de Janeiro, nas letras, no toque do violão e na “malandragem” do que é dito em forma de canção. Duani costuma brincar dizendo ser “o gaúcho mais carioca que já vi”. Neste 2022, lançará dois novos singles e está ajustando o roteiro de dois novos clipes. No próximo ano projeta lançar novo álbum e turnê pela Ásia.

Para quem está acostumado a associar o samba ao Rio de Janeiro, és a prova de que o ritmo também tem raízes fincadas no Rio Grande do Sul. Como surgiu essa ideia?
O RS tem uma vasta riqueza calcada do samba, mas mesmo considerando grandes nomes do gênero no estado, como Túlio Piva, Lupicínio Rodrigues e Nelson Gonçalves. Cresci escutando, por influência do gosto musical dos meus pais, grandes nomes do samba de todo o país, tais como Agepê, Neguinho da Beija-Flor, Wilson das Neves, e outros. Não tive pretensão alguma para fazer samba. O gênero surgiu e surge de maneira muito espontânea em minhas composições. Uma questão relevante a ser mencionada, é a presença dos sons dos tambores em minha formação.

Quem foram os que começaram com o Samba Rock gaúcho nos anos 60? Buscaste inspiração em algum deles?
Adoraria na época ter conhecido um pouco mais do samba-rock gaúcho. Iniciei a minha carreira, há quase 30 anos e nessa época o que me foi apresentado de samba-rock, foram nomes como Trio Mocotó, Jorge Ben Jor (com o disco “A Tábua de Esmeralda”). O samba-rock, de Bedeu, Grupo Pau-Brasil e Luis Vagner só apareceram quando eu já era profissional da música. Acabei não sendo influenciado pelo samba-rock feito no Sul. Minha maneira de tocar acabou surgindo da união de tudo que eu escutava desde a infância. De maneira plural, não fui inspirado por nenhum artista do Sul.
Como foi sua incursão por terras europeias? Por onde andaste e o que conquistaste?
Estive em Paris e Londres em 2015 com uma turnê de lançamento do disco “Filho de Xangô - Samba Exportação”. Minha banda e eu realizamos concertos em casas de Jazz, dentre eles o aclamado Ronnie Scott's, casa noturna que recebeu nomes como Stevie Wonder, Aretha Franklin, Nina Simone, entre outros gigantes. Foram dois meses pela Europa. Meu disco, como o próprio nome sugere, foi feito para o mercado estrangeiro. Fui muito agraciado por onde passei. Nossa música brasileira é muito respeitada no exterior. Lá existe uma outra maneira de compreender a arte. Há um grande respeito pela arte que fazemos. Tive uma segunda turnê marcada, mas que infelizmente devido à pandemia de Covid-19 estamos postergando. De lá para cá, foram conquistas atrás de conquistas. Minha música é muito mais executada no exterior do que no meu próprio país.


Tens cor, suingue e balanço de carioca, mas teu sotaque não esconde tuas raízes gaúchas. Onde nasceste e como foi a tua infância em Viamão?
Sim. Raiz gaúcha, sotaque gaúcho, porém alma brasileira sempre. Não me limito a ser gaúcho, nasci no Rio Grande mas desde sempre pensando no Brasil. Quanto à cor e ao suingue, temos de sobra no Rio Grande do Sul, porém o sotaque do samba do RS é um tanto diferente do Rio de Janeiro e São Paulo. Mas também seu diferencial e personalidade. Nasci na cidade de Viamão, como citaste. Tive uma infância muito boa, de muita brincadeira, futebol de pés descalços e muita música e cultura dentro de casa. Meus pais e irmão sempre tiveram excelente gosto e interesse pela boa música e bons livros. Foi uma bela infância em torno dos meus. Lá (na infância), se deu minha primeira experiência musical, com tambores e atabaques. Mais tarde, meu irmão mais velho estudou trompete e violão. Vivíamos escutando música e batucando pela casa. Minha família sempre foi muito musical. Meu balanço vem da música brasileira como um todo, e da música africana. Já cheguei no Rio tocando assim. Quando cheguei no Rio e escutaram eu tocar pela primeira vez, acharam que eu fosse baiano. “Negão” tocando bossa-nova (risos).


É verdade que, com 10 anos, já dominavas o violão? Como a música entrou na tua vida?
Aos 10 anos era o violão que me dominava (risos). Nesse momento entendi o que realmente queria fazer, a minha missão. Era a música. Comecei a tocar tambor e iniciei os estudos de violão. A arte da composição ocorreu mais tarde, fruto da leitura. Cheguei a ler quatro livros ao mesmo tempo. Lia de Fernando Pessoa a Charles Bukowski. De Machado de Assis a Paulo Leminski. De Jacques Lacan a Ariano Suassuna.


Com 17 anos, montaste a primeira banda, gravaste álbum e fizeste shows para 10 mil pessoas, abrindo para Neguinho da Beija-Flor, Fundo de Quintal e Bebeto. O que isso representou na tua carreira?
Foi meu pontapé inicial para o lado profissional no mundo da música. Revelou a mim e meu trabalho para um maior número de espectadores, assim como alguns projetos de negócios futuros. Ali tive a oportunidade de adquirir segurança como profissional, como artista, cantor e como instrumentista. Pude melhorar minha comunicação em palco. Aprendi a resolver objeções de todos os gêneros, viajar, entender uma série de necessidades e questões burocráticas da carreira. Tive contato com estúdio, gravações e business. Foi um bom início de escola na vida musical. Aprendi o que não fazer. Grande escola para a vida profissional.


Atualmente vives onde? Quando deixaste o Rio Grande?
Deixei o RS em 2003 quando me mudei para o Rio. Depois estive um tempo em São Paulo, entre idas e vindas, até decidir residir em Florianópolis. Moro na Ilha da Magia há quase nove anos.


Como é tua relação com o Rio de Janeiro?
Tenho imensa gratidão pelo Rio. Foi a cidade que me acolheu. Lá tenho amigos incomparáveis. Mesmo tendo trocado o Rio por São Paulo em 2009. Vivo por lá sempre que posso. Tenho muitos parceiros musicais lá, como Marcos Suzano, Márcio Local, Gabriel Moura, Paulo Calasans, Mu Chebabi, Alex Moreira e Macau. Decidi a mudança apenas por questões de negócios na época e, depois, por questões de segurança também decidi deixar São Paulo. Amo o Rio e o que ele me causa. É muito gratificante estar por lá.


Como enfrentaste a pandemia? A ‘reclusão’ serviu para algo?
Compus, produzi e finalizei meu álbum “Quem Vai?!”. O enfrentamento e seus possíveis danos foram minimizados pela reserva financeira, editais de cultura e shows on-line, com vendas de ingressos pelas plataformas que ganharam espaço naquele momento de reinvenção de mercado.


Quais projetos para o futuro?
Estou compondo e preparando o repertório para um próximo álbum. Tenho dois novos singles para lançamento ainda em 2022 e estou ajustando o roteiro de dois novos clipes, e uma próxima turnê pela Ásia com o novo show.


Do que sentes falta no RS?
Do RS, sinto saudades da minha família. Mas a falta que sinto no RS é a ausência de olhares mais atentos e respeito da arte feita no próprio Estado. Falta um olhar mais plural. Não datar sua arte tampouco limitar-se ao Estado, mas levar o regional ao Brasil inteiro, ao mundo. Nascer e honrar suas raízes é lindo. Não esquecer de onde veio é necessário, mas sobretudo expandir e ter essa consciência de deixar a arte tomar seu rumo, e a que se destina. Sinto falta no Rio Grande do Sul de mentes mais abertas e plurais, não generalizando obviamente.


Novas músicas a caminho?
Componho sempre, é um exercício diário, semanal, mensal. Muitas ideias surgem do cotidiano, pela leitura, um filme que assisto, a história de um amigo, familiar. Tudo vai para o papel, tudo vira música nova. O interessante é quando paro para decidir qual será a próxima a ser lançada. Devo lançar dois novos singles ainda em 2022. E um novo álbum com 12 canções em 2023.


Duani, és um sonhador? Onde pretendes chegar?
Acho que sou mais um executor e criador de metas a seguir. Crio a meta, trabalho e a alcanço. Não sou um sonhador. Não consigo chamar as coisas e metas que tracei como sonhos. Na verdade, já cheguei onde gostaria desde que me foi possível viver de música e poder levar meu trabalho para todos os cantos do planeta. Escrever, criar algo relevante para a cultura, reflexão e até para fins de entretenimento. Esse é o meu legado e minha missão. O resto é o resto. Meu corpo morrerá, minha arte não. A arte não para.

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895