Marjana Rutkowski: uma vida dedicada à música de câmara

Marjana Rutkowski: uma vida dedicada à música de câmara

Em entrevista ao Caderno de Sábado, a violoncelista da sua missão de incentivar a formação de música de câmara no Brasil, entre outros temas

Adriana Androvandi

Violoncelista Marjana Rutkowski

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Foi com emoção que a musicista Marjana Rutkowski subiu as escadas do prédio do Correio do Povo nesta semana e viu o histórico elevador e as escadas da sede no Centro de Porto Alegre. Isso porque, por volta dos 6 anos de idade, foi a primeira vez que ela esteve no edifício do jornal como entrevistada. Depois de seguir carreira profissional como musicista e de passar mais de 20 anos no Exterior, Marjana está morando novamente em Porto Alegre e se dedica à formação musical.

Ao lado do pianista André Loss e um violinista (com nome ainda a confirmar), ela planeja formar um trio para apresentações. Ela conta um pouco de sua trajetória e da participação na Associated Chamber Music Players (Associação de Música de Câmara), com sede em Nova York, que procura conectar pessoas e dar suporte a grupos de música de câmara de diferentes países.
Como foi o teu início na música? Na tua infância, foste levada a assistir a concertos de diferentes ângulos da plateia?
Sim, minha mãe, Marisa Viero, era maestrina do “Coral ad libitum”. Ela me ensinou leitura musical e piano em casa. Tenho uma relação de afeto com a reitoria da Ufrgs, onde ocorriam os Concertos para a Juventude. Ela me levava para assistir aos concertos. A cada vez nos sentávamos em lugares diferentes da plateia, para que eu pudesse ver a orquestra de diversos ângulos. No dia em que sentamos nas primeiras filas e eu olhei os violoncelos fiquei apaixonada. Eu disse: “Mãe, é este instrumento que eu quero tocar”. Ela tinha o desejo que eu tocasse um instrumento gregário, já indicando um caminho de música de câmara.
Ao chegar no Correio do Povo hoje, você lembrou que esteve aqui pela primeira vez por volta dos 6 anos para dar uma entrevista. Como é esta lembrança?
Lembro que vim com o professor Jean Jacques Pagnot, do Instituto de Artes, e atrás subimos minha mãe, eu e o colega Karl Frank (filho da professora Isolde Frank). Nós não usamos o elevador, subimos as escadas. Karl e eu estávamos aprendendo violoncelo e faríamos nossa primeira audição. E essa foi a razão para ter feito a primeira entrevista aqui.
Chegaste a fazer parte da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) e para entrar tiveste que ser emancipada. Como foi isso?
Sim, era um concurso nacional e eu passei com 17 anos. Quando chegou na parte burocrática, de entregar os documentos, me informaram que eu não poderia assumir, pois eu era menor. A maioridade naquela época era 21 anos. Então foi preciso convencer meus pais a me emancipar e consegui. E só depois de dois ou três meses pude ocupar a cadeira.
Depois passaste um longo período nos Estados Unidos. Como foi esse aprendizado?
Sim, fui como bolsista da Capes para estudar, retornei ao Brasil e depois fui morar lá. Foi uma experiência fantástica, inesquecível. Ao todo morei no exterior por aproximadamente 20 anos. Em 2008, por causa de um amor, voltei a Porto Alegre.
Como foi a aproximação com a Associação de Música de Câmara com sede em Nova York?
Comecei a participar como membro da associação quando morei em Manhattan. Havia muitos eventos e muitos músicos participavam devido ao apoio educacional e subsídios para a prática de música de câmara, para todas as idades e todos os níveis de conhecimento. Depois que voltei a morar no Brasil, recebi o convite para ser a embaixadora do Brasil junto à ACMP. Fiquei muito contente. Quero espalhar essa consciência sobre educação.
Desta forma, a associação abriu seu leque para a América Latina?
Sim, havia um interesse da associação em ampliar seu papel. Aos poucos, com conversas entre os membros do conselho internacional da ACMP, meu nome foi indicado como embaixadora.
A Associação oferece algum tipo de ajuda ou incentivo para músicos ou grupos musicais?
Sim, mas é importante salientar que a ACMP não patrocina concertos. A ênfase é na parte educativa, na formação de música de câmara.
Como grupos brasileiros podem se candidatar?
A ACMP tem um site em inglês, mas tem possibilidade de ser lido em português (www.acmp.net). Para se filiar, é gratuito. Também é possível entrar em contato comigo pela minha página do Facebook (facebook.com/marjana.rutkowski) ou e-mail acmpnobrasil@gmail.com.
Para as pessoas que não têm familiaridade, quais os critérios da música de câmara?
A música de câmara é geralmente tocada em ambientes menores, pode ser mesmo em uma casa ou um auditório pequeno. Um critério da associação a que pertenço foi delimitar a formação do número de membros entre duas a dez pessoas e que não tem um maestro. O objetivo é fazer com que as pessoas se aproximem da música, conheçam instrumentos, com workshops ou masterclasses.
Entre as tuas viagens internacionais, estiveste em Praga há pouco tempo, quando a Guerra na Ucrânia estava começando. Qual a situação que encontraste lá?
Em primeiro lugar, Praga é de uma beleza ímpar. Ao chegar lá, refugiados fugindo da Ucrânia estavam por toda parte.
Como os imigrantes chegavam? A pé, por trem?
Vinham de todas as formas. Andei de trem e ônibus por lá e vi as estações cheias, com tendas para doações de roupas, comida e oferta para vacinação. O trabalho humanitário funcionava. Lá, encontrei uma norte-americana que mora em Viena. Com apoio da ACMP, organizamos um concerto com músicos voluntários e o ingresso era a doação de alimentos não perecíveis, depois destinados a pontos de coleta para os imigrantes. É um grão de areia no oceano, mas de alguma forma a gente se envolve e se solidariza.
A arte como uma forma de congregar, não é?
Sim. Falando nisto, um dos festivais que eu frequentei como professora e violoncelista tem um lindo nome indiano, ArtsAhimsa, a não violência pela arte. Olha que bonito e insightful o nome do festival. É em Lenox, Massachussets.
Qual tua próxima viagem?
Vou a um festival na Normandia, França, destinado a trios (violino, violocelo e piano). Está sendo muito bom, pois está nascendo um trio aqui, formado por brasileiros, eu, o pianista André Loss e um violinista (que ainda não vou dizer o nome). Então está sendo estratégico para mim ir a um festival cujo repertório será basicamente de trios.

 

Confira a entrevista em vídeo de Marjana no Correio do Povo pela página do jornal no YouTube: 


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