Novo discurso e novos públicos no Museu Julio de Castilhos

Novo discurso e novos públicos no Museu Julio de Castilhos

Dóris Couto *

Visitação e mudança de perfil do público no Museu Julio de Castilhos

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O Museu Julio de Castilhos (MJC) é pioneiro, entre as instituições da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), na realização de pesquisa de público, aplicando-a desde 2019 entre seus visitantes espontâneos (aqueles que visitam sem agendamento). Ao conhecer seu público é possível planejar melhor os programas - em especial os de exposições -, o educativo, reavaliar a comunicação, bem como atuar na busca ativa daquele público que está ausente do museu.

Ao adotar a avaliação, recebemos o feedback do nosso trabalho, onde os aspectos positivos apontam que estamos na melhor direção e os negativos indicam o que precisa ser mudado. Se obter os dados é fundamental, analisá-los e tomar decisões a partir deles é o que justifica a realização da pesquisa.
O instrumento aplicado pelo MJC é composto por nove questões em formato de questionário, com opções de respostas pré-definidas e um campo livre, destinado à opinião do respondente, usado em média por 76,5% deles.

Em 2019, o convite para responder a pesquisa, na saída do Museu, era feito pelos vigilantes. Depois da criação de uma equipe que recepciona o público, em 2021, são eles que buscam pela participação dos visitantes na pesquisa. 
Essa mudança fez com que se obtivesse um número maior de participantes. No primeiro semestre deste ano, 953 pessoas deram sua opinião dentre os 8.084 visitantes espontâneos, totalizando uma amostra de 11,79% do público total.

Foi a partir do retorno dos visitantes que o Museu Julio de Castilhos percebeu, por exemplo, a necessidade de inserir mais textos nas salas, sinalizar os espaços, ampliar horário de funcionamento às quartas-feiras - hoje o funcionamento é até as 19h -, de modo a permitir que outros públicos, como vizinhos que trabalham até mais tarde, frequentem a instituição. Inserir QRcode com textos em inglês e espanhol foi outra mudança gerada pela percepção da presença de 45 estrangeiros, no primeiro semestre deste ano, vindos de países como Alemanha, Bélgica, Polônia, Irlanda, Canadá, Itália, Reino Unido, Venezuela, Chile, Índia , Estados Unidos, Cuba, República Tcheca, Colômbia, Suécia, Uruguai e Japão.

Dentre os dados que mais influenciaram a tomada de decisões estão a escolaridade dos frequentadores, que em 2019 era de 77% de pessoas com ensino superior completo e atualmente é de 58,34% dos visitantes. No primeiro semestre deste ano, os visitantes com ensino médio representaram 17,9% do público, enquanto aqueles com ensino superior incompleto foram 9,2%. 
Avalia-se que o modelo de exposições temáticas e com curadorias compartilhadas têm papel na mudança de perfil do público, assim como a aproximação do Museu de sua vizinhança e maior presença nas redes sociais, de modo planejado a partir de conceitos de comunicação museológica. Outro fator que pode estar associado a esta mudança é o trabalho voltado a temas como a história das mulheres, do povo negro e a valorização do acervo e temáticas indígenas.

Em termos de gênero, na pesquisa deste ano se começa a perceber a presença de pessoas não binárias, ainda que em percentual pequeno, representando apenas 0,1% em comparação aos 56,7% de mulheres e os 43% que se declararam do gênero masculino. Já a presença de pessoas negras e indígenas que não apareciam na pesquisa de 2019 representam respectivamente 5,9% e 1,56% dos visitantes do primeiro semestre de 2023. Destaca-se que 9,5% dos entrevistados se declaram pardos e ainda 0,7% amarelos, enquanto 58,65% declararam-se brancos. 

O fator raça influenciou nas ações do museu, que investiu fortemente no trabalho com comunidades indígenas, criou uma campanha para adquirir, por doação, acervos de pessoas negras e de classes sociais diversas, abandonando a representação exclusiva da elite que fazia desde os primórdios.
Assim, quando esses públicos se viram representados, acolhidos, com voz e protagonismo, passaram a frequentar o museu, alterando o perfil do público e assumindo o direito de estar ali, tanto na condição de visitante quanto de protagonista das narrativas apresentadas nas exposições. Assim, estamos fazendo um museu plural, em que o direito à memória é para todos, apesar de termos muito ainda um longo caminho pela frente.


* Museóloga e diretora do Museu Julio de Castilhos. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895