O cineasta do rito de passagem

O cineasta do rito de passagem

Randal Kleiser, de clássicos como ‘Grease - nos Tempos da Brilhantina’ e ‘A Lagoa Azul’ concedeu entrevista ao critíco Marco Antonio Freitas para o CS

Correio do Povo

Randal Kleiser é o diretor de "Grease: Nos Tempos da Brilhantina"

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Nascido há 77 anos na Filadélfia, nos Estados Unidos, Randal Kleiser foi nos anos 60 estudar Cinema na University of Southern California, onde dividiu apartamento com George Lucas (o futuro criador de “Guerra nas Estrelas”). E em projetos estudantis colaborou com John Milius, depois corroteirista de “Apocalypse Now” e diretor de “Conan, o Bárbaro”, com Basil Poledouris (futuro compositor de “A Lagoa Azul” e “Caninos Brancos”) e com William Phelps que se tornaria um “pupilo” de Randal (ele foi produtor executivo e corroteirista do filme de Phelps, “Surfe no Havaí”).

Randal fez mestrado na área e realizou o curta “Peege” (1972), inspirado em sua relação com a avó que estava quase catatônica. O curta recebeu vários prêmios e foi escolhido para Preservação pela Biblioteca do Congresso americano. Ele então começou a dirigir episódios de seriados e, em 1977, foi chamado para realizar o popularíssimo “Grease − Nos Tempos da Brilhantina”, musical que consolidou John Travolta e Olivia Newton-John como superstars (ela era uma cantora pop conhecida na Austrália e Reino Unido quando filmou).

Depois, o diretor filmou “A Lagoa Azul” em Fiji (essa versão cinematográfica do livro de 1908 gerou uma sequência, um remake para a TV, inspirou uma comédia romântica teen - “S.O.S do Amor”, também dirigido por Kleiser - e pelo menos três versões não oficiais italianas e uma canadense). Outras produções da sua filmografia incluem Amantes de Verão (sobre um ménage na Grécia, o longa impulsionou o turismo nas ilhas Mykonos, Creta e Santorini, uma espécie de Ibiza dos anos 80). Também vieram “O Voo do Navegador” (pioneiro em usar computação gráfica, é sobre uma abdução extraterrestre); o adorável “Minha Primeira Transa” (sobre um virgem de 31 anos que é disputado por três mulheres de cabeças bem distintas); “Querida, Estiquei o Bebê”, a continuação das desventuras de um amalucado inventor, primeiramente visto no blockbuster “Querida, Encolhi as Crianças”); o devastador e semi-autobiográfico “A Última Festa” (filmado na própria casa do diretor), entre outros.

Dirigindo para o Cinema desde os anos 1970, Randal nem pensa em aposentadoria e, nos últimos tempos, desenvolveu a revolucionária série em realidade virtual “Defrost” - e também lançou os livros “Drawing Directors” (com sketches que ele fez de cineastas como Christopher Nolan, de “Oppenheimer”; Adrian Lyne, de “Flashdance”; Spike Lee, de “Febre da Selva” e outros) e “Grease: The Director's Notebook” (com tudo sobre os bastidores do filme de 1978), ambos disponíveis na Amazon Brazil.

Com George Lucas, ele produziu The Nina Foch Course for Filmmakers and Actors (dois DVDs compilados a partir de 200 horas de aulas sobre atuação e direção de atores ministradas por uma das mais importantes atrizes dos anos 40 e 50 na América do Norte, Nina Foch e outras). Está disponível na plataforma Udemi. Randal também esteve por trás de dois documentários, “Life After the Navigator” (sobre o triste rumo que a vida do astro de “Voo do Navegador” tomou depois do filme) e “Baby Boomer Yearbook” (sobre os paradeiros de ex-colegas de segundo grau do diretor através das décadas; a ser lançado em 2024). Randal fala sobre a carreira para o CS.

Algum momento especial que o levou a virar diretor?

Eu vi o Mar Vermelho ser aberto em “Os 10 Mandamentos”, quando eu tinha 10 anos, e a partir dali senti que teria de me envolver com a magia da sétima arte. Quando eu estudei na USC corri para ter aulas de interpretação com a Nina Foch, a “mãe de Moisés” no meu filme favorito! E ela se tornou minha amiga e mentora. Curtis Harrington (nota: Curtis fez “Night Tide - A Noite do Terror” e “Fábula Macabra”), foi outro mentor (...). Ele me aconselhou, quando eu estava sem grana para os efeitos especiais de meu projeto de curta, a investir numa ideia que fosse baseada na minha vida. Daí eu fiz “Peege”, que me abriu as portas na área.

Antes de você dirigir filmes, um movimentado policial italiano, ‘A Cruz dos Executores’, foi lançado (1976), que conta com o seu nome entre os roteiristas e está entre os prediletos dos fãs do gênero...

Mesmo?? Quando eu assisti, lembro-me que pouco do que escrevi havia restado... eu fui indicado para o filme pelo meu trabalho em TV e alguém inventou que eu poderia apresentá-los ao James Coburn (nota: ator de “Sete Homens e um Destino”); quando eu cheguei em Roma e falei que eu nem o conhecia pessoalmente, a frustração deles foi óbvia (nota: Roger Moore levou o papel).

Eu idolatro filmes sobre Rito de passagem...e você é um mestre nesse ‘gênero’.

Oh, obrigado…

Na TV, você trabalhou em ‘The Rookies/Os Novatos’, na excepcional série ‘Família’. Na telona, ‘Grease’, ‘Lagoa Azul’, ‘Amantes de Verão’, ‘Grandview USA - A Volta por Cima’ (junto de ‘Vidas sem Rumo’ e ‘Amanhecer Violento’, um dos três filmes estrelados por Tommy Howell e Patrick Swayze lançados em um ano e meio); em ‘O Voo do Navegador’, enquanto oito anos se passaram ao seu redor, um menino de 12 anos não envelhece um só dia e vai ser via a sua amizade com um E.T. robótico que irá amadurecer; em ‘Pee-Wee: Meu Filme Circense’, o anteriormente infantiloide personagem se apaixona por duas moças! Em ‘Caninos Brancos’, o ritual de passagem do jovem e do híbrido de cão e lobo se dá quando encaram a hostilidade do Alaska.

Sim! É exatamente desta forma como você descreveu.

Em ‘Querida’..., o crescimento é físico (risos)... e no seu filme mais pessoal, o emocionante drama sobre o drama da Aids, ‘A Última Festa’, a ‘passagem’ parece ser o da vida para a morte.

Esse tema do amadurecimento é um que dá espaço para muita coisa acontecer no enredo e crescer é algo que fazemos todos os dias…

As interpretações, nos seus filmes, não importa o gênero, são uniformemente ótimas (...) e não parece fazer diferença o background do ator, tempo de experiência, etc (...), veteranos como Eve Arden e a quase novata Olivia em ‘Grease’, a criançada em ‘Querida’ e o consagrado austríaco Klaus Maria Brandauer em ‘Caninos Brancos’ estão ótimos.

Eu amo dirigir atores e eu trabalhei com crianças com distúrbios emocionais numa colônia de férias quando bem jovem…

Isso também o preparou para lidar com muitos atores, pelo jeito?

Sim! Me preparou.

Voltando para ‘Grease’, as massas não estavam lotando os cinemas nos anos 1970 para acompanhar atores cantando no meio da trama e além disso, você lidou com a coreografia, ainda que você contasse com a incrível Patricia Birch (nota: coreógrafa da peça original) e dançarinos sincronizados. Você não temia debutar com esse tipo de filme?

O diretor Robert Wise, de “Amor, Sublime Amor” e “Noviça Rebelde”, me falou que levaria um ano para eu preparar tudo. Apesar do pavor, pois eu só tinha cinco semanas, eu não desisti. No set de filmagem, segui o que ele me disse sobre estar em contato direto com a coreógrafa e com o diretor de fotografia Bill Butler (nota: trabalhara em ‘Tubarão’ e ‘Um Estranho no Ninho’) e pus a falta de tempo em um favor, ajudando na espontaneidade. Mas não esqueçamos que muitos ali já vinham da peça.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895