O Laçador

O Laçador

Julio Zanotta

publicidade

Fui esculpido por Caringi para ser o símbolo da cidade de Porto Alegre. Sou um gaúcho pilchado como manda a tradição. Inicialmente fui colocado na Farrapos, mas depois construíram um baita pedestal e me colocaram na frente do aeroporto. Não podia ter sido pior. O barulho dos aviões me deixou estressado, entrei em depressão, solicitei uma licença para tratamento de saúde.
A prefeitura me deu férias e o médico me mandou a Búzios, pra descansar. Viajei encaixotado, no compartimento de cargas da Pampa Airlines. 
Cheguei em Búzios. Entrei num restaurante tri, coisa fina. Não me entusiasmei nem um pouco com a badalada gastronomia. Achei uma frescura as mesas iluminadas com velas. Os risotos me fizeram perder a fome. Não guentei os camarões com aspargos e um tal azeite de trufas, vai lá saber o que é um troço destes! Quando li no cardápio “cherne com mix de cogumelos” fiquei desconfiado. Nunca que eu ia me envenenar com uma coisa assim!
Mas bah, eu gosto mesmo é de churrasco. Pedi uma ponta da costela, é claro que não tinha. Então achei que um bife a cavalo servia, mal passado, com batatas e dois ovos fritos, como fazem lá campanha. A garçonete chamava-se Brígida, disse que podia me conseguir um escondidinho de carne seca, pois vira que eu era um cavalheiro do sul e, assim sendo, topava fazer um programa. Eram todas iguais, fiquei tão indignado que saí do tal restaurante. 
Os turistas que circulavam pela Rua das Pedras moviam-se num cenário de desenho animado. Correspondi à banalidade dos seus sorrisos, mas o simples apreciar do mundo fútil logo me deixou de saco cheio. Onde estava o badalado charme de Búzios? Muitos voltavam a cabeça para me olhar, ficavam cochichando no maior deboche. Levantei um deles pela camiseta:
– E daí, meu?! Será que por acaso to borrado?
Nunca tinham visto um gaúcho de verdade! Tavam me tirando pra Frakenstein?
Felizmente já era tarde e não tive que suportar outros olhares. Passei saliva no bigode e torci as pontas. O agito tinha acabado, os bares e as lojas de suvenires estavam fechando. A única coisa que eu podia fazer era dar um giro pela madrugada solitária.
Caminhei até a orla, que liga a Rua das Pedras à Praia dos Ossos. Parei junto da estátua de Brigitte Bardot. Vocês sabem quem foi Brigite Bardot? Pues, eu sei. Foi o símbolo sexual dos anos 60. Quem não lembra pode assistir ao filme sensação da época “E Deus Criou a Mulher”. Compreenderá porque ela se tornou uma celebridade internacional.
No verão de 1964, Brigite esteve na Praia de Búzios, esta mesma! Sua visita deixou Búzios famosa, se tornou isto que chamam de sofisticado balneário turístico. Muitos anos depois uma artista plástica, uma certa Christina Motta, a esculpiu em bronze, em tamanho natural. 
Encontrei Brigitte Bardot sentada numa mala, chapéu de praia ao lado, cabelos escorridos, jeans e camiseta. Encostei o ouvido no seu peito. Uns bêbados que passavam gritaram “beija, beija!”. Eu só queria escutar o seu coração de bronze. 
Eu entendo tudo de bronze, também sou uma estátua, nunca esqueçam disto.
O olhar de bronze de Brigite fitava a infinitude do mar. Hesíodo diz que a terceira raça dos homens é de bronze. Sucumbiram e foram morar no arrepiante Hades. Lucrécio (De Natura Rerum) escreveu que o bronze é eterno e sagrado. Tenho lá minhas dúvidas. 
Sentei ao lado da Brigitte Bardot de Búzios. 
– Aceita um chimarrão?
– Óh, que lua linda __ ela disse.
– Pues, eu acho que vai chover.
– Não se preocupe. Estou acostumada com a garoa.
– Tu é a china mais arretada que a França botou no mundo.
– É muito chato ser uma estátua.
– E tu acha que eu não sei?
A lua iluminou Brigite Bardot. A luz da lua quando bate no bronze dá vontade de voar. Brigite esticou os braços acima da cabeça e saiu voando. Foi dar uma volta pelo céu noturno de Búzios, coisa de estrela.
Eu nunca atuei em rodeio, mas sou bom no laço. Girei a corda de bronze, atirei a laçada, acertei em cheio. Puxei Brigite pra baixo e mandei que ela ficasse quieta no más, sentadinha no banco como tava antes.
Mas bah! É por isto que o meu nome é O Laçador.

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895