O Taco de Baseball

O Taco de Baseball

Alcy Cheuiche publica novo conto no Caderno de Sábado deste final de semana

Correio do Povo

Tacos de Beisebol ilustrativos para o conto Taco de Baseball de Alcy Cheuiche

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“Perdeu as lágrimas, não chora, acostumou-se à maldade”.

“O Perdido”, Carlos Vieira Nogueira.

- Levanta, vagabundo! Sai da frente da minha casa!

O homem maltrapilho se acorda com os gritos e logo sente uma dor lancinante nas costelas.

- Um pontapé agora! Depois, uma paulada!

Olhado de baixo para cima, o agressor parece gigantesco. E o taco de baseball que segura com as duas mãos faz o homem erguer-se e balbuciar:

- Mas o que é isso, Juvenal?!

- Doutor Juvenal pra ti, vagabundo! Até o meu nome esse fiadaputa sabe... Também, acampou do lado dessa caixa de lixo e não sai mais daqui.

O agredido ergue-se com dificuldade, a respiração curta, olhando nos olhos do homenzarrão.

- Por que tu me deste esse pontapé, Juvenal?

- Deste... Tu me deste... Como fala grã-fino esse vagabundo... E pra ti, eu sou o Doutor Juvenal, tá entendido? Pega esses teus mijados e te some daqui!

Pronto, pensa Juvenal. É o desgraçado do pesadelo, de novo. Agora eu acordo na minha cama, abraço a Lenita, tomo um copo d’água, ou até um banho de chuveiro. Puxa, como eu estou fedendo...

- Já liguei pra Brigada. Te some e não aparece mais aqui! Vai, vai, vagabundo...

Impressionado em não se acordar do pesadelo, Juvenal sente uma dor lancinante nas costelas. É onde o grandalhão o empurra com a ponta do taco de baseball, enquanto ele caminha encurvado.

- Ai, ai, ai ... para com isso... Escuta aqui, o Juvenal sou eu. Tudo isso é um pesadelo. Eu que comprei esse taco de baseball nos Estados Unidos... Foi uma boa ideia para a campanha eleitoral... Um candidato a prefeito desconhecido que surra os ladrões do dinheiro do povo...

- Agora tu tá me imitando, seu canalha?!

Desta vez, a paulada o pega no ombro e o mendigo cai de joelhos, gemendo. O agressor ergue o taco acima da cabeça e fala, babando de raiva:

- Tu me viste na televisão, não é? Nalgum buteco por aí. Então tu sabes que eu prometi acabar com a tua raça, com essa gente que mora na rua e emporcalha a cidade... Vou botar cerca em tudo que é parque, começando pela Redenção, pela Praça da Alfândega... Vou privatizar tudo, começando pela água...

- Eu sei que disse tudo isso... Mas é só para me eleger...

Depois faço um acordo com os vereadores e...

O taco de baseball cai sobre a cabeça do infeliz que desmorona sem nenhum gemido, sangrando sobre a calçada. Aí, como em cada pesadelo, Juvenal se assusta e volta para dentro de casa. Tira o celular do bolso e localiza o número do Pronto Socorro. Depois de várias tentativas, atende uma voz sonolenta. Ele explica que tem um homem caído diante da sua casa, sangrando muito pela cabeça:

- Isso é briga de marginais. Chame a polícia. Depois que o Pronto Socorro foi privatizado, não atendemos mais esse tipo de gente. A não ser que o senhor nos dê seu CPF e se responsabilize pelas despesas.

Juvenal desliga o telefone e dá um grito de raiva. No mesmo instante, a luz de cabeceira se acende e sua mulher o abraça com carinho.

- O mesmo pesadelo de novo, amor? Se eu fosse tu, botava o taco de baseball no lixo e desistia dessa candidatura...

- Só por causa de um sonho que se repete, Lenita? Desistir de ser prefeito? Depois das pesquisas me colocarem entre os dois primeiros?

- Olha como tu estás suando, Juvenal... Numa dessas tu podes ter até um infarto, o Doutor Cintra já te disse... Olha, vai tomar um banho de chuveiro... Levanta, eu te ajudo, vou contigo...

- Tá bem, Lenita. Tou cheirando mal, mesmo.

- Ué? O que essa porcaria está fazendo aqui no quarto?

- Que porcaria, Lenita? Que sei eu?!

- Juvenal! Pelo amor de Deus! O teu taco de baseball está coberto de sangue...


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895