Os canos fumegantes de Agrippino Grieco

Os canos fumegantes de Agrippino Grieco

Eduardo Rodrigues*

Crítico literário e ensaísta fluminense Agrippino Grieco

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Já havia lido uma coisa aqui e outra ali, e me divertido muito com as estocadas ferinas do temido crítico literário e ensaísta Agrippino Grieco (1888-1973). Há muito fora de catálogo, e sumida até dos sebos, a obra desse franco atirador sul-paraibano, fluminense (natural de Paraíba do Sul/RJ) , volta a ser lembrada pelo conjunto de disparos letais presentes em “As vozes da metrópole – Uma antologia do Rio dos anos 20”, novo livro de Ruy Castro. Enfant terrible de escritores cujas reputações cimentou sob sete palmos de seus artigos (sic), Grieco nos faz rir às gargalhadas com seus julgamentos ao projetar a bile raivosa e irônica quando escreve e fala sem papas na língua – de preferência, afiada e besuntada em fel. Nas conferências, Agrippino comandava enterros coletivos de subcelebridades.

Suas frases cruéis e demolidoras encontram eco nas sentenças mordazes que seriam proferidas anos depois por Millôr Fernandes, Paulo Francis e Ivan Lessa sobre pavões das letras nacionais e outras espécies de penugem menos nobre. Três pesos-pesados da mesma linhagem acostumados a vitórias por nocaute nos ringues da crítica jornalística e literária.

Segue abaixo, uma seleção de insultos e provocações desse crítico politicamente incorreto: 

 

Sobre os livros do historiador e líder integralista Gustavo Barroso:

— Dignos de serem encadernados na pele do próprio autor.

Sobre o escritor Carneiro Leão, eleito para a Academia Brasileira de Letras:

— Em geral, a Academia elege só um animal. Agora elegeu dois.

Sobre o obeso (144 quilos) diplomata e historiador Oliveira Lima:

— Tem-se a impressão de que os volumes lidos por ele lhe desciam ao ventre, em vez de subir-lhe ao cérebro.

Sobre Coelho Neto:

— Autor de o nada em dezenas de tomos.

Sobre o conde Afonso Celso, autor de Por que me ufano de meu país:

— Inimigo hereditário de sucessivas gerações de leitores.

Ainda sobre Afonso Celso:

— Bela cabeça, com muito cabelo, alguma caspa e nenhuma ideia.

Sobre Eduardo Prado, autor de “A ilusão americana”, Paulo Prado, autor de “Retrato do Brasil”, e outros Prados:

— Ah, a vaidade da família Prado! Nem todo o imenso território conquistado pelos bandeirantes bastará para comportá-la.

Sobre o lançamento das obras completas de um escritor já morto, mas famoso em vida por seus livros fracassarem nas livrarias:

— Vingança póstuma, impiedosa mão do finado a querer agarrar os leitores em fuga.
Sobre Domício da Gama, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras:

— Se teve talento, ocultou-o com todo o cuidado.

Sobre o enterro do crítico João Ribeiro, acompanhado por seus colegas da Academia:

— Sinistro cortejo. Os mortos eram eles.

Sobre um escritor, seu amigo:

— Voto-lhe uma estima tão forte que ela resistiu até à leitura de seus livros.

Sobre o parnasiano e consagrado Alberto de Oliveira:

— Poeta de geladeira, panteísta de quintal e glória universal em seu quarteirão, o sr. Alberto de Oliveira tem também o mérito da durabilidade. Sozinho, já viveu mais do que Castro Alves, Álvares de Azevedo e Casemiro de Abreu juntos [Alberto, 76 anos em 1933; os outros três, somados, 66].

Sobre o escritor Oswaldo Orico:

— O único escritor com quatro zeros no nome.

Sobre um escritor de fugaz sucesso popular nos anos 20:

— Nasceu sombra, destinado a ser o “idem” de alguém e a figurar no “etc.” das listas de celebridades.

— A pior obra de certos romancistas são seus maus admiradores.

— Não é da alçada dos críticos suscitar nos outros a boa literatura. Já é consolador que a deles, os críticos, não seja totalmente má.

— Em geral nossos tradutores baldeiam os livros de um idioma que não conhecem para outro que também ignoram. Lendo-os, tem-se a impressão de que os animais da Arca de Noé se reuniram na Torre de Babel.

— Nunca me arrependi de haver atacado. Só de ter elogiado.

REFERÊNCIA: 
CASTRO, Ruy. As vozes da metrópole – Uma antologia do Rio dos anos 20. São Paulo. Companhia das Letras, 2021. 464 páginas. 

 

*Jornalista, escritor e editor. Autor de seis livros. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895