Papel dos artistas na era tecnológica

Papel dos artistas na era tecnológica

Diego Mac

Diego Mac é diretor de dança, coreógrafo, dançarino e artista de vídeo

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Por séculos, os artistas têm sido fundamentais na evolução das sociedades. Artistas visuais, músicos, escritores, coreógrafos, entre outros profissionais das artes, desempenham um papel único ao questionar ideias e subverter paradigmas. Sua relevância no desenvolvimento da tecnologia, no entanto, é muitas vezes ignorada e mal aproveitada. Em um mundo em constante evolução tecnológica e com urgência de objetividade, é fácil esquecer o papel crucial que os artistas desempenham.

A inovação técnica é impulsionada por avanços científicos e engenharia precisa, certamente. Ainda que pareça uma ideia distante, os artistas podem trazer uma perspectiva singular para o desenvolvimento tecnológico, diante de sua habilidade de pensar e criar fora da caixa.

A ideia de "pensar fora da caixa" tem sido valorizada nos últimos anos, especialmente no campo da inovação. Já para o artista, essa mentalidade não é uma opção ou uma estratégia ocasional: é o ponto de partida de tudo o que fazem. O artista é, por natureza e formação, um questionador fora da caixa. Ao contrário de outros profissionais, o artista não precisa sair da caixa, pois ele nunca esteve dentro dela. Ele sempre esteve à margem, fora do centro, olhando o mundo com uma perspectiva única, ultrapassando limites e criando novos territórios.

Os artistas têm a habilidade de subverter o status quo e questionar as normas-formas estabelecidas. Enquanto outros setores focam na resolução de problemas e no desenvolvimento de produtos específicos, os artistas desafiam os propósitos e funções dessas soluções. Por meio do pensamento divergente, permitem o nascimento de ideias disruptivas e de mundos alternativos, com diferentes realidades a serem exploradas e reimaginadas. Ao programar essa nova visão, influenciam a forma como as pessoas interagem com o ambiente e compreendem sua própria realidade.

Os avanços tecnológicos exigem considerações éticas, sociais e emocionais complexas, para as quais os artistas estão sensivelmente treinados para lidar, o que permite tornar o aporte técnico mais humano e inclusivo; trazem à tona preocupações importantes, como privacidade, diversidade, equidade, autoria, propriedade intelectual e impacto ambiental, por vezes negligenciadas na busca pelo progresso.

Como podemos incentivar a colaboração interdisciplinar entre artistas e desenvolvedores de tecnologia para criar processos e produtos inovadores?
Um ótimo exemplo é a contribuição que a linguagem e os artistas da dança podem trazer ao desenvolvimento de tecnologias como blockchain, NFTs, metaversos, realidade virtual, realidade aumentada, inteligência artificial, robótica, engenharia de jogos e modelagem e animação 3D. Anteriormente, um dos desafios dessas tecnologias estava em representar os corpos em ambientes digitais. No entanto, agora estamos entrando em um novo paradigma: o da presentificação dos corpos em ambientes virtuais. E é exatamente nesse ponto que os artistas da dança desempenham um papel fundamental. A dança é uma fonte rica de dados sobre como os corpos se movem, interagem, se expressam e se presentificam no espaço-tempo. Enquanto a tecnologia avança na imitação do corpo-comportamento humano, é o artista quem visualiza, cria, dirige, reimagina e ressignifica esse corpo e o nutre com sensibilidade e emoção.

A ideia de “presença” é fundamental na dança, pois ela lida com o corpo vivo e orgânico como suporte da obra artística. Para alcançar essa presença, bailarinos, coreógrafos e diretores desenvolvem técnicas capazes de atualizar o corpo no momento da instauração da obra, para que ele esteja íntegro, comprometido com a ação, conectado ao espaço e a seus estímulos. 

Já no meio digital e no contexto dos robôs também há busca por essa presença, a fim de possibilitar imersão e interação potencializadas. Porém, nesse ambiente os corpos são outros: não têm carne, nem osso. São corpos moles, rígidos, plásticos, pixels, maquínicos, avatares, sujeitos a diferentes gravidades, com articulações hiperflexíveis e interpenetrações mútuas. Surge a questão: como conferir presença a esses corpos? A dança, por meio da sua lógica coreográfica, oferece uma abordagem especializada para a emulação da presença física, para a geração e treinamento de corpos digitais e robóticos atualizados e responsivos, dotados de peso, fluxo, velocidade, foco e volume, elementos fundamentais dessa linguagem artística.

Essa busca pela presença dos corpos nos ambientes virtuais está intimamente ligada ao futuro dos relacionamentos no metaverso e às formas de convivência com as máquinas, em que a conexão entre o digital e o físico (figital) vai exigir diferentes abordagens para o corpo e seus movimentos. Ao trazer os fundamentos da dança para as linguagens tecnológicas, os artistas produzem novas possibilidades criativas e revelam uma noção ampliada e democrática tanto de arte quanto de tecnologia.
Podemos incentivar uma cultura que valorize e apoie a colaboração entre arte e tecnologia de várias maneiras. É importante promover a conscientização sobre a os benefícios e as possibilidades dessa interação por meio de eventos artísticos e iniciativas formativas. O investimento em programas e bolsas de estudo que incentivem artistas, cientistas e engenheiros a trabalharem juntos também é fundamental, proporcionando espaços de co-criação e intercâmbio de conhecimentos. Nesse mesmo sentido, o estabelecimento de parcerias entre instituições artísticas, científicas e tecnológicas tem o poder de gerar novas redes de colaboração e compartilhamento de recursos. Por fim, é essencial o apoio financeiro para projetos artísticos e tecnológicos inovadores, com o reconhecimento do valor da arte na criação de um futuro mais diverso, inclusivo e centrado no ser humano. Um esforço coletivo para instaurar mais conversas entre arte e tecnologia promoverá um ambiente ainda mais propício à inovação, com perspectivas mais plurais e atento às necessidades, às experiências e às inteligências humanas.


* Diego Mac é também artista 3D. Produtor e gestor cultural. Doutorando em Artes Cênicas. Diretor da Macarenando Dance Concept. Atualmente, dedica-se à criação artística baseada na mistura da linguagem da dança com técnicas de animação e simulação 3D, blockchains, metaversos e NFTs. Foi selecionado para expor seu trabalho no evento NFT.NYC, recebeu o Prêmio Açorianos de Dança 2022 como Personalidade do Ano por seu trabalho inovador em dança 3D e recebeu o Prêmio Trajetórias Culturais pelo desenvolvimento de seu trabalho artístico. 

 


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