'Podemos dizer que a Semana foi mais uma vitrine aberta em São Paulo às produções'

'Podemos dizer que a Semana foi mais uma vitrine aberta em São Paulo às produções'

Doutorando em Literatura, Sociedade e História da literatura pela UFRGS explica aspectos da Semana de 1922

Carolina Santos*

Tiago: 'O modernismo paulista reverbera pouco no Rio Grande do Sul que já produzia uma literatura moderna que vinha na esteira do Simbolismo'

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A Semana de Arte Moderna de 1922, completa seu centenário este ano. Com o intuito de promover rupturas no interior das artes plásticas no Brasil, pintores, músicos, poetas e arquitetos brasileiros se reuniram, em São Paulo, inspirados pelos ideais do Modernismo. Este movimento artístico que teve início no século XX, queria subverter o tradicionalismo das escolas literárias anteriores. Em entrevista, Tiago Pedruzzi, Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul  e doutorando em Literatura, Sociedade e História da literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), comenta alguns aspectos do evento que repercute gerações após o seu acontecimento. 

CS - O princípio da Semana de Arte Moderna era promover rupturas no interior das artes plásticas do Brasil. Esse objetivo foi alcançado?

Tiago Pedruzzi - Se o objetivo da Semana era romper com o academicismo predominante até o momento, podemos dizer que ele já vinha sendo gestado anteriormente na figura de Anita Malfatti, mas até mesmo na de um de seus principais detratores, Monteiro Lobato, que pregava uma arte nacional afastada dos francesismos e das paisagens europeias tão caros aos pintores acadêmicos. O movimento de rompimento com os modelos do passado teve no pós primeira guerra seu principal desenvolvimento e a Semana de Arte Moderna foi uma espécie de catalisador desse processo, principalmente, porque apresentou ao público de São Paulo as novas tendências europeias. Assim, o novo apresentado na Semana de Arte Moderna era  já uma adesão a correntes e estéticas que já estavam fixadas no horizonte artístico europeu e até estadunidense. Essa faceta se confirma com exposições de obras do suíço John Graz e do alemão Wilhelm Haarberg na Semana e, também, com a presença de artistas brasileiros com pais estrangeiros, cujos estudos e produções se desenvolvem, antes, fora do Brasil e fora, até mesmo, do grande centro europeu dos movimentos artísticos de vanguarda: Paris. Desse modo, podemos dizer que a Semana foi mais uma vitrine aberta em São Paulo às produções e que o desenvolvimento de uma ruptura foi um processo mais complexo que passa pela Semana, mas que não tem no seu acontecimento o gérmen.

CS - Pagu, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Elsie Houston e Eugênia Álvaro Moreira, são exemplos de mulheres que atuaram no modernismo. Como se pode definir o papel delas, não somente para a arte, mas na conquista de novos direitos?

Tiago - Dentre as mulheres citadas, temos que cuidar para não colocar todas dentro de uma perspectiva que as considere como frutos do evento Semana de Arte Moderna, pois, temos no exemplo de Anita Malfatti, indícios de que sua participação nos círculos artísticos de SP se dava mais por sua posição social que por sua vinculação posterior ao grupo. Não esqueçamos que antes de 1922 Anitta já tivera duas exposições individuais e que sua produção acaba por ser amplificada no seio do Modernismo paulista. Tarsila do Amaral sim tem papel dentro do movimento, pois de suas pinceladas surgem reverberações que desembocam no movimento antropofágico e sua adesão se dá posteriormente à Semana e no bojo do seu envolvimento com Oswald de Andrade. Já de Elsie Houston e Eugênia Álvaro Moreira, podemos dizer que suas produções dialogam com os ideais e estéticas do movimento paulista, porém não se vinculam diretamente a ele e que suas atuações, embora estejam próximos dos ideais do movimento, que de certo modo eram também um pouco do espírito da época no ocidente, suas criações devem ser analisadas considerando suas individualidades e idiossincrasias. Por fim, Pagu desenvolve sua obra em momentos posteriores à Semana de Arte Moderna, cuja participação seria impossível, pois era apenas uma menina de doze anos. Grande parte de sua produção literária e atuação política já se dá distante de Oswald e do campo de influência do modernismo paulista. 

CS - Quando pensamos no evento e no modernismo, os locais que mais se destacam estão no sudeste do país, mas como a Semana de Arte Moderna influenciou o Sul do Brasil, para além do eixo de São Paulo?

Tiago - O modernismo paulista reverbera pouco no Rio Grande do Sul que já produzia uma literatura moderna que vinha na esteira do Simbolismo ou trazia para as letras imagens regionais sem os arroubos da ruptura proposta pelos ideólogos do movimento em SP. Pode-se dizer que se fazia uma literatura calcada no nacional, considerando que a paisagem pampeana faz parte do Brasil, sem uma preocupação nacionalista. Contudo, não podemos dizer que essas ideias não tiveram cultores, aqui, ao nos depararmos com uma obra como Saco de Viagem, de Tyrteu Rocha Vianna, cujas páginas apresentam um futurismo de galpão com ótimos encontros da estética vanguardista e da paisagem campeira do Rio Grande do Sul ou em Trem da Serra, de Ernani Fornari, com a sua viagem em trem rumo à serra e paradas nas estações que davam a tônica da modernidade nas imagens em movimento e no retrato de um estado que se abria às pessoas e vozes estrangeiras. Ainda assim, o próprio Fornari criticou, também, a imposição de normas vanguardistas.

CS - Atualmente vemos um aumento nas críticas sobre o evento, muitos apontam como os artista fazam parte da elite cafeeira da época, e que deixaram de lado temas como a escravidão, em que medida você concorda com este revisionismo? 

Tiago - O movimento modernista paulista foi canonizado pela crítica acadêmica do centro do país e suas qualidades foram mais amplificadas que seus defeitos. Como um movimento que teve no seu seio muitos artistas, verificamos que suas produções e ideias não eram uniformes, temos, ao mesmo tempo, autores que hoje poderíamos chamar de progressistas, como Oswald de Andrade, que, em algum momento apresentou ideias racistas e antiquadas. Do movimento, sai também Plínio Salgado, cuja ligação muitas vezes é esquecida ou deixada de lado devido ao papel que desempenhou no movimento integralista, o fascismo tupiniquim. Todas as discussões que surgem no momento, principalmente fora de São Paulo e do seu eixo de influência acadêmica, buscam caracterizar o movimento modernista paulista e a Semana de Arte Moderna como um movimento mais fragmentado e com menos alcance do que o alardeado, dadas as condições da produção artística nacional. Ao mesmo tempo, centra-se também a releitura desse período no esforço de desmistificar e colocá-lo dentro de uma história de produção cultural e afastá-lo da ideia de Big Ben para todas as inovações acontecidas no pós-Semana de Arte Moderna.

* Supervisão de Luiz G. Lopes


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895