Poemas em estado de pandemia

Poemas em estado de pandemia

Angélica Silveira

Janaína: "Entre as minhas influências estão Agda Céu, Aline Bei, Ana Martins Marques, Atena Beauvoir, Conceição Evaristo, Manoel de Barros, Luna Vitrolira e Viviane Mosé"

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A psicóloga e escritora gaúcha Janaína Steiger lançou em 2022 o livro “Olhos em Vírgula- Um percurso poético pelo cotidiano da saúde pública”. A obra é a sua estreia em poesia. Janaína trabalha no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e é especialista em Saúde da Família e Comunidade. O livro tem origem no Trabalho de Conclusão de Residência na especialidade de Saúde da Família e Comunidade, abordando de maneira poética o cotidiano da saúde pública, em uma interlocução entre literatura e vida real. A obra é construída a partir de teorias e práticas vivenciadas por Janaína durante o período de pandemia da Covid-19 e é apresentada na forma de poemas, estabelecendo importante diálogo entre psicologia, saúde pública e poesia. “Olhos em vírgula” tem como seus temas principais a rotina profissional dos trabalhadores da saúde, a pandemia e suas consequências e os desafios da saúde pública, sempre levando em conta a interseccionalidade. 

Janaína nasceu em Porto Alegre e atuou, de 2020 a 2022, em uma unidade de saúde de atenção primária ou, como é afetivamente denominado, “postinho”. A escritora aposta na interlocução entre a escrita e a psicologia, assim como psicanálise e políticas públicas. Junto delas, valoriza o diálogo com as demais formas de expressão da arte, em especial a fotografia. Ela é coautora do livro “Cidade Cinza”, de 2019 e possui poemas, crônicas e contos em diversas coletâneas. Além disso, integra a equipe de poetas do portal Fazia Poesia.


Porquê juntar poesia e pandemia? Como surgiu a ideia do livro?
O poema que abre o livro leva o nome de “Estado de Pandemia”, fazendo alusão à música de Chico César, “Estado de poesia”. Para mim, ambas estão intimamente ligadas. A escrita do livro foi motivada pelas lacunas de palavra e sentido da experiência de ser profissional da saúde atuando no setor público. Lacunas estas que se alargaram durante a pandemia de Covid-19. E a poesia é feita de corte, de silêncio. Nos diziam “linha de frente” e eu enxergava uma linha vazia de uma caderno em branco. Precisei escrever. Pra fazer da palavra e do meu corpo, linha. Com o intuito de tentar transmitir algo - tecer remendos - daquela experiência paradoxal de ser vetor de transmissão e “heroína”, salvação e risco. Risquei. A cada dia, eu colhia palavras, frases e afetos do cotidiano na Unidade de Saúde, e as guardava. Nas cadernetas que sempre carrego comigo. A partir desses restos cotidianos de linguagem e imagem, me percebi escrevendo uma narrativa, um percorrido pelos diferentes espaços de um serviço que frequentei por dois anos. Foi durante esse período que a maior parte da escrita se deu, em frequência instável, mas constante, nos tempos da urgência do sentir - e dos prazos, também. Afinal, a escrita inicialmente tomou forma de trabalho acadêmico, enquanto marco da conclusão da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade. Já tinha o formato de verso, e levava no título uma questão-afirmação: “Pode poesia no posto?”. Era essa pergunta que me levava a escrever, junto da urgência de contribuir para a construção da memória e história de uma pandemia sintomática, que expôs e exacerbou as mazelas sociopolíticas-econômicas do Brasil - para falar apenas a nível federal. E assim, deve ser lembrada, para não se repetir.


Onde o livro pode ser encontrado?
A tiragem inicial do livro foi de 200 exemplares, sendo 100 exemplares distribuídos gratuitamente para serviços de saúde e bibliotecas comunitárias da cidade de Porto Alegre , e outros 100 exemplares estão sendo comercializados pelo site da editora: www.nada.art.br/loja. A primeira tiragem já esgotou e estamos solicitando outra com mais 100 exemplares para poder atender a mais pedidos e permitir que o Olhos em vírgula atinja mais olhares. O livro também pode ser encontrado em versão NFT, quem optar por comprar nesse formato digital terá direito a solicitar o impresso e vice-versa.
 

Quais as influências da obra literária?
Entre as minhas influências estão Agda Céu, Aline Bei, Ana Martins Marques, Atena Beauvoir, Conceição Evaristo, Manoel de Barros, Luna Vitrolira e Viviane Mosé. Além disso, os livros “O humano do mundo”, da Débora Noal, “Pacientes que curam: o cotidiano de uma médica do SUS”, da Júlia Rocha e o “Livro sobre nada”, do Manoel de Barros são referências diretas para “Olhos em vírgula”.


Por que você como psicóloga decidiu começar a escrever?
Eu sempre escrevi, muito antes de me pensar psicóloga. E se tenho dificuldade de dizer quando comecei a fazê-lo, consigo dizer com quase precisão quando parei. Exatamente no período que iniciei a faculdade de Psicologia (“um curso para quem gosta de ler”, me diziam, que ironia!). Lia os artigos e livros, formatava minhas palavras à la ABNT e não vislumbrava brecha para a leitura ou escrita literária. Foi em meados de 2017, porém, que retomei a escrita como hábito e paixão. Participei de uma oficina de escrita na Metamorfose, em Porto Alegre - espaço ao qual até hoje sou vinculada. Foi a partir desse momento, também, que consegui não mais tomar a faculdade como obstáculo ao escrever, mas fazer a psicologia dialogar com essa forma de arte. Hoje, me parece impossível dissociá-las. Foram nos últimos 3 anos que me aproximei de forma mais direta da poesia, passando a compor, em 2021, a equipe de poetas do portal Fazia Poesia, que atualmente é a maior publicação de poesia do Brasil, na plataforma Medium. Desde então, tem sido um importante espaço de inspiração e incentivo, ao reunir poetas de diversas regiões do Brasil. Em Porto Alegre, tenho buscado me aproximar de espaços e coletivos voltados à literatura, também, como o Fora da Asa, ONG construída por e para mulheres, com um olhar sensível à escrita literária plural.


Quais os próximos projetos literários?
Atualmente, estou realizando o Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, de Porto Alegre. Nele, tenho me aprofundado em diferentes gêneros de escrita, como a de narrativas curtas e longas, suscitando o desejo de publicar um romance. É um projeto muito embrionário, ainda, mas que tem ganhado força. Além disso, em 2022 comecei a trabalhar na política de Assistência Social, em um CRAS, espaço que muito tem me inquietado e produzido questões cotidianamente. Tenho muita vontade de desenvolvê-las num futuro projeto de Mestrado, bem como, quem sabe, em novo livro, como continuidade e diálogo com o “Olhos em vírgula”.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895