Quem cria os criativos no universo das IAs

Quem cria os criativos no universo das IAs

Cristiano Max

Cristiano Max coordena Programa em Indústrias Criativas da Universidade Feevale.

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Cogito ergo sum. Descartes não refletiria sobre nossa realidade a partir de nossas próteses tecnológicas atuais, mas ao encarar o pensamento como forma simbólica de existência, nos faz compreender que o sentido da permanência está para além daquilo que poderíamos ver. Esse postulado sustenta inúmeras outras discussões que nos levam a entender desde a filosofia até as artes, a busca por uma incessante verdade que se eterniza num devir. 

A Indústria Criativa, ou Economia Criativa (não cabe aqui definir a priori as diferenças), busca estabelecer uma discussão entre o simbólico do consumo da cultura e a valoração de seu circuito na geração de riquezas.

É através desse diálogo que artistas podem articular suas obras com a sociedade, em prol de sofisticar o pensamento social e civilizatório e ao mesmo tempo prover uma jornada digna àquele que transcende o pensamento em existência e transforma em conteúdo para a sociedade. 

Entre os setores culturais e criativos que possuem a destreza de compor as discussões e narrativas do cotidiano e transformá-las em fruição, estão a literatura, a dança, o teatro, a música e tantas outras formas de expressão, e em termos tecnológicos, eclodindo em instalações ciberculturais e em produtos de cultura pop, os jogos digitais.
Porém, nos últimos anos, desde a pandemia, diversas tecnologias se aceleraram e trouxeram reflexões que os filósofos só poderiam expressar em axiomas e postulados estruturais. Tivemos as videochamadas como reflexo perene desse momento da sociedade, o que influenciou no comportamento de empresas, governos e educação. 
Teletrabalho, aulas on-line, reuniões incansáveis de hora em hora sem a possibilidade do deslocamento como forma de ócio entre um assunto e outro, era apenas pular de uma janela para a outra e começar tudo de novo. 

Dentre as tecnologias que se destacaram desde essa explosão da adoção por necessidade, estão as Inteligências Artificiais. Já eram um assunto corriqueiro entre nerds e geeks, entre pesquisadores da comunicação e da computação, entre artistas de vanguarda, porém a partir da popularização do Chat-GPT (inteligência artificial para produção de texto) e do Midjourney (inteligência artificial para produção de imagens), ocorreu um efeito similar a Moore, de aceleração da potência de processamento. As máquinas ganham um novo estatuto de criação, seriam elas capazes de se tornarem artistas? 

De maneira geral, a sociedade se questiona sobre a capacidade que essas plataformas e ferramentas possuem, se podemos, a partir de então, assim como em 'Tempos Modernos”, termos uma revolução dos fazeres cognitivos até certo ponto. 

Necessitamos de colaboradores que organizem agendas e escrevam, registrem e enviem informações, ou apenas um auxiliar munido de todos os endereços eletrônicos das plataformas mais eficientes, ou até mesmo a própria inteligência artificial sozinha poderia suprir nossas necessidades? 
No universo das artes e da cultura, qual é o impacto dessas novas possibilidades e como isso afeta, não apenas a rotina, mas o estatuto da Criatividade?
Ao longo das últimas décadas, temos experimentos de inteligências artificiais que desenham, que criam músicas, que escrevem poesias, todas com pequenos auxílios do seu criador humano. 
No entanto, essas novas ferramentas que eclodem do período pandêmico deixam claro que a habilidade de articulação de significados delas subiu para patamares apenas imaginados na ficção científica, superando os testes de Turing. 

Podemos criar produtos ou utilizar seus resultados como parâmetros para tornar mais eficientes nossas próprias produções. Como descobrir se um roteiro é apenas humano ou é fruto de uma inteligência artificial, ou senão de ambos em conjunto? Isso importa para a fruição e o consumo de um espectador ansioso por conteúdo?

Acredito que seja, não impossível, mas no mínimo imprudente que algum “messias tecnológico” nos diga qual a resposta para essas inúmeras perguntas. Assim como para os filósofos (como no início desse texto), as respostas são uma jornada de incerteza na busca da verdade. O importante são as perguntas que nos fazemos a todo momento, que irão guiar o valor, não financeiro, mas moral (os axiomas) de nosso consumo de um novo ciclo cultural, um ciclo onde o simbólico se torna mais importante, de tal forma que ele se transveste de processo e não apenas de propósito e apreciação no ciclo de desenvolvimento humano pela cultura. 

Façam as perguntas, se questionem, mas experimentem, usem, reusem, mixem, cortem e colem; o importante é o nosso fazer artístico.

P.S.: Esse texto não foi resultado de uma inteligência artificial, mas poderia ter sido. Quem sabe até mais didático que o humano que tentou refletir acerca da questão. Agora, com toda certeza, esse texto foi corrigido gramaticalmente por uma inteligência artificial.


Cristiano Max  coordena Programa em Indústrias Criativas da Universidade Feevale.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895