Relato instigante sobre o racismo estrutural
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Ela é negra e ativista de movimentos contra o racismo. Trabalha como diarista. Aventura-se pela poesia. Gosta de escrever. E foi com uma narrativa corajosa sobre o cotidiano permeado pelo preconceito que lançou seu primeiro livro em agosto de 2023. “Pela liberdade de nos construirmos negras” (Pubblicato Editora), de Cristina Ribeiro, é um manifesto sobre o racismo que contamina a nossa sociedade desde que os negros foram trazidos da África e escravizados nas terras brasileiras colonizadas pelos portugueses. A autora fala sobre sua vida, sobre os enfrentamentos desde a infância por conta da cor da pele e traz depoimentos de outras mulheres sobre a discriminação sem freios que brota por todos os lados. A professora e pedagoga Patrícia Guterer, que assina a primeira orelha do livro, faz uma reflexão muito pertinente sobre o descompasso que vivemos. Ela diz: “Estamos em pleno século XXI falando de IA (Inteligências Artificiais), testando carros voadores, com diversas máquinas que fazem o trabalho de inúmeras pessoas, mas ainda se faz urgente livros, debates, rodas de conversas e todos os meios possíveis para abordar as temáticas sobre preconceito, racismo e os séculos de escravização, torturas, estupros e desapropriações pelos quais os povos negros e indígenas passaram”.
Passaram e ainda passam! Mas há um movimento forte nos dias de hoje que resgata o passado e possibilita o protagonismo negro em todas as esferas culturais, sociais e políticas. Um enfrentamento necessário e justo em busca de direitos negados durante séculos, autonomia, espaço de fala, reconhecimento e respeito pela diversidade que nos constitui como sujeitos.
Cristina Abigail Ribeiro Prates nasceu em Porto Alegre no ano de 1971 e mora em Alvorada. Filha de pais negros, ela e os irmãos foram criados pela mãe, que trabalhava como empregada doméstica. Estudou em escola pública. Fez curso técnico em Nutrição e Dietética. Não tem ensino superior. No período escolar sofreu racismo pela cor da pele e bullying porque era gorda. Ouviu muitas piadas por causa do cabelo. Na adolescência se achava feia e esquisita. Odiava ser negra. Odiava suas origens. Aos 23 anos casou. Aos 25, nasceu sua filha Tamires. Dois anos depois, nasceu o filho Geovane. O casamento durou oito anos. Cristina ficou sozinha para criar duas crianças, mas com a ajuda da mãe e da ex-sogra seguiu firme, estimulada pelo desejo de ter uma família e proporcionar um destino diferente para os filhos.
Ela confessa que “matava um leão por dia para dar conta de tudo – Cuidar dos filhos, estudar e trabalhar em lugares diversos para pagar as contas”. Até que em um determinado momento sentiu que não era tão forte como imaginava. O machismo que precisava encarar no dia a dia aumentava o desconforto. Sem amor próprio, sua autoestima ficou abalada. Teve problemas físicos, engordou muito, descobriu que estava com a pressão alta e desenvolveu uma diabetes. Iniciou um tratamento, com a consciência de que o peso e a tristeza eram fatores determinantes naquele momento de fragilidade. Seu corpo dizia chega e diante do diagnóstico entendeu que precisava mudar de atitude e seguir sua caminhada com confiança. E neste clima de reflexão sobre a negritude, a vida, as relações pessoais e profissionais, o corpo e a mente, Cristina mudou. Tudo estava entrelaçado.
Começou a escrever, acreditando no seu potencial e no que poderia fazer concretamente para reagir à discriminação que sofria. Passou a dar mais valor às suas origens negras e à família. Procurou tratamento psicológico, começou a fazer exercícios físicos, buscou pessoas que pensavam como ela, até encontrar o “seu lugar de fala”, inspirada em escritoras como Djamila Ribeiro e em outras tantas mulheres. Com esta revolução interna, ampliou o olhar e transformou-se em uma militante da causa negra. Segue trabalhando como diarista em vários lugares, sempre incentivando os filhos a estudar porque o conhecimento é a herança que quer deixar para eles. Valoriza as amizades conquistadas, a luta cotidiana e necessária por dignidade e atua nas redes sociais como incentivadora do cabelo crespo, estimulando as mulheres negras a resgatar a autoestima.
Na segunda orelha do livro, Egeria Barbosa, poeta, produtora cultural, ativista, idealizadora do Coletivo Amor e apresentadora do Programa de Utilidade Pública e Cultural “Afro Gueto Urbano”, diz: “Mulheres negras são marcadas pela sua cor! Tudo muda se a mulher é negra, pelo fato de ser negra! Mas, como é ser negra?”.
Respeito pelo outro, ética e educação são fundamentais para mudar o cotidiano de uma sociedade normalizada, que não consegue ver as diferenças que nos constituem como seres humanos. Vamos fazer das nossas vozes a voz da diversidade. A voz da ancestralidade. A voz da inclusão. Como diz a Cristina "que possamos ensinar nossas crianças a se defenderem do Racismo e do Preconceito! Uma das nossas armas mais poderosa é o Estudo, o Conhecimento, sermos quem somos sem medo”. Este livro traz muitas histórias, muitos exemplos e muitas respostas. Recomendo a leitura!
* Jornalista