Rubel canta a diversidade da música brasileira em novo disco

Rubel canta a diversidade da música brasileira em novo disco

"As Palavras Vol. 1 & 2" nasce de uma pesquisa da cultura nacional que vai do forró ao funk

Caroline Grüne

“É uma tentativa de um retrato contemporâneo da música brasileira”, diz Rubel sobre novo álbum

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Quase dez anos após sua estreia com o álbum “Pearl” (2013) o compositor Rubel renasce com o disco "As Palavras Vol. 1 & 2". Em duas partes e 20 músicas, o trabalho costura diferentes gêneros da cultura brasileira e passeia entre o samba, o funk e o pagode. Para isso, inclui participações de peso, como Milton Nascimento, Liniker, Bala Desejo e MC Carol. “É uma tentativa de um retrato contemporâneo da música brasileira”, conta. Em um dia, o artista alcançou mais de um milhão de reproduções nas plataformas de streaming. “Talvez eu nunca tenha visto uma repercussão dessa maneira para um trabalho meu”, diz. Em entrevista exclusiva ao Caderno de Sábado, o carioca fala sobre os desafios da coesão sonora de um disco complexo, sobre os convidados para o álbum e sobre sua relação com os diferentes gêneros da música brasileira. Rubel se apresenta em Porto Alegre, no Araújo Vianna, no dia 11 de junho.

Caderno de Sábado - O lançamento do disco chamou atenção do público e tem alcançado números relevantes. Como tem sido a recepção desse trabalho?

Rubel - Eu sinto que os feedbacks estão sendo muito verdadeiros e emocionados. Talvez eu nunca tenha visto uma repercussão dessa maneira para um trabalho meu. No primeiro disco as pessoas ficavam muito tocadas, mas era uma coisa na bolha. Eram meus amigos e amigos de amigos. O meu primeiro disco já tem quase dez anos. Há muito tempo não via as pessoas tão genuinamente comovidas e surpresas por alguma coisa que eu lanço. Sabe, isso está sendo muito incrível. As pessoas são tocadas pelas questões que eu gostaria que elas ficassem tocadas: enxergar o Brasil representado neste trabalho. Talvez seja um lugar de olhar para o Brasil com carinho, olhar para a diversidade dos gêneros brasileiros com carinho. Eu acho que isso está tocando especificamente em muitas pessoas e é muito bonito ver isso.

CS - O álbum traz uma diversidade musical que abrange diferentes gêneros. Houve um momento-chave de decidir que queria criar músicas que passassem por estilos diversos? 

Rubel - Decidi expandir a temática das minhas canções e olhar para o Brasil. Em 2019, eu estava na turnê do meu segundo disco e eu senti que meu trabalho de alguma forma estava muito desconectado do que era o país em que eu vivia. Ele falava de coisas muito doces, uma leveza, uma tranquilidade e uma calmaria que não condiziam com a realidade. Um lugar que ainda é extremamente violento, tanto no sentido concreto da coisa, no sentido das questões de segurança, quanto no sentido discursivo. Uma guerra civil discursiva. E eu falei “cara, não é possível que nesse momento esteja cantando as coisas que eu estou cantando”. Eu preciso muito olhar para o que está acontecendo agora no país. Fiquei imaginando que dali a muitos anos, ao olhar para esse momento histórico da política brasileira, vou me questionar o que eu estava cantando naquele momento. E eu ficaria extremamente infeliz se eu não estivesse dialogando com a seriedade daquele momento histórico e decisivo do Brasil, sabe? Então, a partir disso eu fui pesquisar. Essa foi a grande decisão. Então, a partir disso eu fui pesquisar. Essa foi a grande decisão. Preciso mudar o meu foco. Preciso parar de olhar para mim um pouco. Preciso olhar para o que está acontecendo aqui. 

CS - De que maneira se desenvolveu essa pesquisa? 

Rubel - Me dediquei muito a estudar a literatura brasileira para entender a formação do país e como que a gente foi parar no lugar que parou. Fui pesquisar muito sobre a história da música brasileira, sobre as diferentes vertentes, sobre os diferentes gêneros e sobre a riqueza da música brasileira. Como consequência disso, naturalmente, as canções foram caminhando para muitos lugares. Senti a necessidade de fazer um funk, um pagode, um forró um samba e de me aprofundar na MPB. Tem uma outra questão também em cima disso, que é nesse momento, em 2019, 2020, eu senti que meu trabalho tinha me levado para uma posição muito privilegiada dentro da música brasileira, de poder cantar com Gal Costa, Adriana Calcanhotto e Emicida. E eu pensei que essas conquistas trazem grandes responsabilidades. Tenho a responsabilidade de ser foda. Preciso ser melhor do que eu sou. Quando você olha para a história da música brasileira, para a diversidade, para a riqueza, para complexidade de tema, de letra, de harmonia, e isso é muito intimidador em algum lugar, mas é muito inspirador no lugar de você sentir que de alguma forma você tem que fazer jus ao tamanho desse negócio, esse patrimônio histórico que é muito sério, sabe? E é muito foda. Esse país é muito lindo. 

CS - É um desafio alcançar uma coesão sonora abordando tantos gêneros. Mesmo assim, quem escuta o álbum tem mergulhado nele do início ao fim. Como foi encontrar uma ordem correta para contar essa história?

Rubel - Essa era a grande dificuldade do disco. Isso não se resolveu até o último segundo, porque eu mandava o disco quase pronto para as pessoas e elas perguntavam “mas tá na ordem?”. Porque ele ainda era meio Frankenstein. As transições eram abruptas e as colagens eram mais esquisitas. Passei muito tempo ouvindo o disco e reorganizando a ordem dele. Eu fiz isso durante, sei lá, 40 dias, até conseguir encontrar uma ordem que fosse fluida, porque isso para mim era muito determinante. Eu queria que ele fosse um disco ouvido do início ao fim, e não que fosse um disco de recorte para as pessoas escolherem cinco, seis músicas. Eu queria que ele fosse como um filme que você dá play e assiste até o final. Então a ordem foi muito determinante para conseguir essa coesão. E eu acho que na produção tiveram alguns elementos que ajudaram, como o fato de grande parte das canções terem sido compostas por mim. Tivemos alguns elementos de produção que foram recorrentes, como os samples de funk. A música com o Milton tem isso. Os pagodes têm muitos elementos de funk, e o funk tem muitos elementos de funk, obviamente. Então de alguma forma isso traz toda a produção para um lugar mais moderno. 

CS - Para diferentes gêneros, há diferentes artistas importantes da música brasileira que colaboram nas canções. Como foi a escolha dos nomes?

Rubel - Teve o momento que eu comecei a listar participações de pessoas que eu gostaria que estivessem no disco. E aí eu pensei “cara, esse caminho tá errado”. Uma coisa que eu vejo muito hoje em dia são pessoas incríveis fazendo colaborações que não funcionam.. E eu pensei: se eu for nesse caminho de encher o meu disco de feat aleatório, posso dar um tiro no meu pé - que é botar um monte de gente incrível para fazer uma coisa que é medíocre ou que é mediana. Então eu pensei que cada feat ia ter que ser exigido pela canção. Eu tenho que respeitar muito o que a canção pede. Se eu ouvir e achar que a canção está resolvida só comigo, vou respeitar isso. Se eu ouvir e sentir que precisa de alguma coisa, vou tentar entender qual é o tipo de voz que essa música pede. Então tentei buscar isso de forma que cada feat estivesse 100% a serviço da canção e não pelo que esse nome traria comercialmente para mim. 

CS - Uma das colaborações que se destacam é com Milton Nascimento na música ‘Lua de Garrafa’. Como nasceu essa parceria?

Rubel - Eu conheci o filho do Milton e ele me contou que o pai se incomodava que existiam poucas músicas sobre amizade na música brasileira contemporânea. O Milton cantou sobre a amizade a vida inteira. Depois eu fui perceber isso - que o amor que o Milton cantava era muito mais um amor fraternal do que o amor romântico. O Clube da Esquina é um disco sobre a amizade. E aí eu falei para o filho dele: eu vou fazer uma música sobre amizade e vou cantar com seu pai. Falei brincando, mas projetando no universo essa vontade. E aí eu fiz essa música. Acabei conhecendo Milton depois disso e senti liberdade para mandar. Mandei o começo e ele gostou. Depois teve algum momento em que a gente teve uma reunião na casa do Milton, que tinham vários amigos, e ele resolveu contar muitas histórias da vida dele. Histórias muito íntimas, coisas inesperadas e bagaceiras, histórias engraçadas. E isso foi a deixa que eu precisava pra conseguir terminar a música. Então, na segunda metade da música tem várias histórias da vida do Milton que eu resumi de uma forma meio cifrada e que ele ficou muito feliz, porque são histórias muito pessoais e importantes afetivamente pra ele que estão ali contadas.

CS - Como é tua relação com esses ritmos brasileiros? 

Rubel - Eu cresci no Rio e quem cresce no Rio ouve funk desde muito novo. Mesmo sendo playboy, vindo de um lugar privilegiado. Nas festas de playboy no Rio de Janeiro se toca funk o tempo inteiro. Tem uma cultura dos playboys cariocas de encantamento pela cultura da favela de uma forma estranha. Ao mesmo tempo que existe muito preconceito, existe uma tentativa de emular a forma das pessoas da favela falar. Nunca imaginei que eu poderia, de alguma forma, fazer uma parceria com funkeiros, mas eu cresci encantado pelo funk. Eu também sempre fui muito apaixonado por samba, mas achava o samba uma coisa divina e muito além do meu alcance - como se estivesse num patamar que eu não pudesse alcançar. Já o pagode, fui entender na época da pandemia, quando comecei a ouvir mais Xande de Pilares, Ferrugem e Péricles. No geral, sempre tive intimidade com esses gêneros. Mas me sentia meio que aprisionado no lugar do voz violão. Acho que a gente vai criando barreiras para nós mesmos.

CS - Há também um trabalho visual de divulgação do álbum, com cores intensas e personagens azuis. Como foi levar a música para a imagem? 

Rubel - Primeiro eu decidi que não queria lançar single para esse disco. Porque acho que isso atrapalha a experiência de você ouvir o disco inteiro do início ao fim. Eu queria reforçar que esse disco fosse ouvido como disco. Não lançar single, acho que ajuda a comunicar isso para as pessoas. Essas músicas são para serem ouvidas em conjunto. Como não tinha single, eu tinha que criar alguma ferramenta que substituísse ele no sentido de chamar a atenção das pessoas para esse lançamento. Eu tinha esse desafio: como explicar para as pessoas o que eu estou fazendo? Porque como o disco é muito louco e muito diverso, eu tinha muito receio dele não ser compreendido e as pessoas acharem que eu enlouqueci. Acharem que eu fiz uma coisa completamente arbitrária. Era muito importante eu contar alguma narrativa que ajudasse a indicar o que eu estava fazendo em termos conceituais mesmo. E então veio essa ideia de criar um trailer para o disco, que contasse uma história que amarrasse os pontos centrais do disco. O disco é uma investigação sobre o Brasil, então o trailer dá essa pista. E é muito bonito ver como isso deu certo. As pessoas entenderam o que eu estava tentando fazer. Eu achei que quando saísse ainda ia ter muita dúvida de por que eu fiz um funk, por que eu fiz um pagode? Mas as pessoas entenderam que é uma tentativa de um retrato contemporâneo da música brasileira.

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895