Teatro novo, texto revolucionário

Teatro novo, texto revolucionário

Luciano Alabarse *

'Esperando Godot' está em cartaz no Teatro Oficina Olga Reverbel do Multipalco do TSP de sexta a domingo, às 19h, até 30 de abril

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"Esperando Godot”, apontada como a peça mais importante do século XX, estreou em um pequeno teatro parisiense, em 1953, ano em que nasci. Ou seja: está prestes a completar 70 anos, como eu. Uma das primeiras obras teatrais de Beckett, o texto quebrou tudo. As unidades aristotélicas de ação, depois dele, nunca mais foram as mesmas. Séculos de teorias teatrais foram sacudidos. Novas gramáticas de palco se impuseram.

O texto foi acolhido com frieza por parte da crítica europeia. O reconhecimento de sua importância foi lento e gradativo. Minha pergunta central, como encenador, foi: como montar Samuel Beckett e, especificamente, “Esperando Godot” nos dias de hoje? A suposta intolerância do autor à alterações em relação às suas indicações de movimento cênico, foi uma das primeiras certezas que ruíram. Quem me ajudou nessa tarefa foi o próprio Beckett, ele mesmo diretor de vários de seus textos. O “diretor” Beckett ensinou muito ao dramaturgo famoso. Ele mesmo modificou suas próprias indicações originais. Por que não eu?

E me coube reconhecer que um texto, por mais clássico e imponente, é só isso: um texto - a ser encenado com desassombro e inquietação. Com “Esperando Godot” não foi diferente. Seu tema central está definido desde o título. É a “espera” o elemento a unir os caminhos e descaminhos dos personagens. Erráticos, ansiosos, violentos, encurralados entre esperanças e sonhos frustrados, os personagens esperam Godot, que ninguém sabe exatamente quem é. O próprio autor desautorizou a ideia de que Godot seria Deus, tese recorrente. Ele afirma: “Não sei quem é Godot. Se soubesse, eu diria.”

A indefinição do espaço cênico, a falta de referência geográfica, a incerteza da chegada desse Godot misterioso - tudo reforça um repertório de suposições e expectativas, que não comporta conclusões. O tempo de Beckett parece repetitivo e soberano. Tempo sem tempo. Os lapsos de memória, comuns a todos os personagens, embaralham cronologias. Os personagens mostram as repetições circulares de suas vidas, e provocam a sensação de que estamos revendo os mesmos acontecimentos em dias temporalmente diferentes. O tempo e a memória são elementos tangíveis; aparecem e se confundem.
Linneu Dias cravou uma clara definição para a peça. Chamou “Esperando Godot” de “uma comédia atroz”. Participou de uma montagem local, em 1958, que o reuniu a Paulo José, Paulo César Pereio e Luiz Carlos Maciel, também o diretor da montagem. Com cinco anos de idade, essa eu perdi; mas devorei o ensaio de Maciel, “Samuel Beckett e a Solidão Humana”, que termina com um poema antológico de T.S. Eliot: “É assim que o mundo termina. É assim que o mundo termina. É assim que o mundo termina. Não com um golpe, mas num soluço.”

Participar, em abril, da programação de abertura do Teatro Oficina Olga Reverbel do Multipalco Eva Sopher, do Theatro São Pedro é um destes momentos felizes. 


* Diretor teatral


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895