Trecho de ‘Ana sem Terra’ (edição bilíngue)

Trecho de ‘Ana sem Terra’ (edição bilíngue)

Em homenagem aos homens, mulheres e crianças de sangue germânico que, há duzentos anos, vieram enriquecer a etnia plurirracial do RS, Alcy Cheuiche mostra trecho em português e alemão do seu livro

Correio do Povo

Veleiro Johanna Jacoba que trouxe imigrantes alemães ao país em 1828

publicidade

Ana já estava com o papel amarelado na mão. Cópia da carta original, escrita num alemão gótico. Gisela desdobrou a carta e leu-a à sombra da vela:

Anna hatte bereits das vergilbte Papier in der Hand. Eine Kopie des Originals, noch in gotischer Schrift. Gisela falfete den Brief auf und las beim Kerzenschein:

Submissa e muito obediente queixa da parte dos colonos em viagem do Rio de Janeiro a Porto Alegre, dia 4 de janeiro de 1826.

Untertänigste und allergehorsamste beschwerde, eingereicht von den siedlern während der schiffreise von Rio de Janeiro nach Porto Alegre. am 4. Januar 1826.

Mui louvável Governo Imperial.

Extrema precisão nos obriga e faz indispensavelmente necessário comunicar a um Alto Governo a situação miserável em que nos encontramos e pedir socorro.

An die hochlöbliche keiserliche Kegierung.

ÄuBerste Not zwingt uns und macht es unausweichlich, der allerhöchsten Regierung Mitteilung zu machen von der elendigleichen Lage, in der wir uns befinden, und um Hilfe zu flehen.

Durante quinze dias estivemos atracados na Praia Grande, perto do Rio de Janeiro, onde fomos alimentados à satisfação de todos. Depois fomos transferidos para o navio Carolina, onde nos encontramos atualmente, e onde nos foram reduzidos sensivelmente os víveres.

Während 15 Tagen lagen wir vor der Praia Grande, nahe bei Rio de Janeiro, wo wir zu aller Zufriedenheit gut zu Essen bekamen. Danach wurden wir auf das Schiff Carolina verlegt, auf dem wir uns jetzt befinden und auf dem der Proviant spürbar reduziert wurde.

Inicialmente recebíamos um pouco de biscoito e ao meio-dia feijão e arroz, mas apenas para saciar-nos deficientemente. De um dia para outro, fomos privados dos biscoitos e recebemos, em seu lugar, farinha de mandioca.

Wir erhielten zunächst ein paar Zwieback und zu Mittag Reis um Bohnen, was aber nur notdürftig sättigte. Dann aber wurde uns, von einem Tag zum anderen, der Zwieback entzogen, und wir erhielten statt dessen nur noch Maniokmehl.

Mas agora também a farinha escasseia, tanto que já não podemos aguentar mais. Antes de chegarmos a Rio Grande, o capitão costumava consolar-nos dizendo-nos que tivéssemos paciência. Ele, lá, compraria pão.

Aber jetzt wird sogar das Maniokmehl knapp, so daB wir nicht mehr durchhalten können. Bis zum Hafen von Rio Grande lieBen wir uns vom Kapitän vertrösten, der uns immer wieder zur Geduld rief mit dem Versprechen, er würde dort Brot kaufen.

- Nem pão eles tinham? Nada para comer?

Sem dar-se conta, Gisela começou a dar emoção à narrativa.

“Was? Noch nicht einmal Brot hatte sie damals? Gar nichts zu Essen?»

Gisela bemerkte kaum, wie sehr sie im Erzählen lebte.

Mas o capitão não cumpriu com a palavra, pois, quando chegamos ao porto do Rio Grande, ele foi para a vila e, ao voltar, declarou que não havia pão. Depois de muito rogar, quatro pessoas obtiveram licença de passar por lá, de noite, a fim de comprar pão com dinheiro próprio.

Aber der Kapitän hat sein Wort nicht gehalten; denn kaum hatten wir am Hafen von Rio Grande angelegt, war er gegangen. Als er dann zurückkam, behauptete er, daB es dort kein Brot gebe. Nach vielem Bitten durften vier Leute nachts in den Ort gehen, um Brot mit eigenen Geld zu besorgen.

Apesar da notícia trazida por esses quatro de que havia pão de sobra, o capitão, ao clarear do dia, deu ordens para partir. Os marinheiros haviam trazido um saco cheio de pão e algumas garrafas de cachaça, o que venderam aos colonos ao preço dobrado.

Obwohl die vier die Nachricht brachten, daB es Brot in Hülle und Fülle gebe, befahl der Kapitän, kaum daB es Tag wurde, dia Abfarhrt. Die Seeleute hatten einen ganzen Sack voll Brot gekauft und dazu noch einige Flaschen Schnaps. Das alles verkauften sie den Siedlern für den doppelten Preis.

Já faz três dias que partimos de Rio Grande e estamos a onze milhas de lá, conforme disse o capitão. Vemo-nos diante de nossa própria ruína por causa da viagem expressamente má, dos ventos desfavoráveis e pelo fato de ficarmos seguidamente atolados em bancos de areia. Dizem que o barco está abastecido de víveres para 5 dias somente, e é bem provável que, mesmo em 15 dias, não tenhamos chegado a Porto Alegre.

Es ist nun schon drei Tage her, daB wir von Rio Grande abgefahren sind, und wir sind von dort, so sagt es der Kapitän, elf Meilen entfernt. Wir stehen vor unserem Ruin wegen dieser ausgesprochen schlechten Reise, wegen ungünstigen Winden und weil wir immer wieder auf Sandbänken festlaufen. Es heiBt, das Schiff habe noch Proviant für nur 5 Tagen, während es höchstwahrscheinlich ist, daB wir selbst in 15 Tagen noch nicht in Porto Alegre sind.

- É nessa parte que as crianças morrem de fome, não é, Gisela?

“Das ist da, wo dir Kinder verhungern, stimmt’s, Gisela?”

De manhã cedo, nossas crianças, as que ainda estão vivas, choram gritando de fome. Muitas dessas crianças, e também pessoas idosas, por não estarem acostumadas a esta vida ruim e inusitada, já estão doentes e serão, em breve, jogadas à água.

Schon am frühen Morgen shreien unsere Kinder – die, die noch am Leben sind – vor Hunger. Viele dieser Kinder, aber auch altere Leute, sind erkrankt, weil sie ein solch schlechtes und ungewohntes Leben nicht vertragen, und sie werden wohl bald über Bord geworfen werden.

- Que horror, Gisela! Não precisa ler mais. Eu quero rezar por eles. Pedir que o capitão seja bonzinho. Guarda a carta, mana, vamos rezar.

“Das is schrecklich, Gisela. Brauchst nicht mehr weiterzulesen. Ich will für sie beten. Beten, daB der Kapitän gut werde. Kannst den Brief wegtun, Schwester. Komm, wir beten.”

Noite escura na imensidão da Lagoa dos Patos. Martin Schneider engatilhou a garrucha e preparou-se para o pior. Entre a amuralha e o castelo de proa, improvisara uma cama de pelegos para a mulher e a filha. À espera da madrugada, nenhum colono conseguia dormir. Nas noites anteriores, várias mulheres tinham sido violadas.

Martin Schneider, alleingelassen in der unendlichen Breite des Sees, brachte die Pistole in Anchlag und war aufs Schlimmste gefaBt. Im Vorderschiff hatte er für Frau und Tochter eine Liegestätte improvisiert. Aus Schaffellen. Der Morgen graute, und noch kein Siedler hatte ein Auge zugemacht. In den Nächten davor waren mehrere Frauen vergewaltigt worden.

“Meu Deus, fazei com que esta noite termine logo!

“O Gott, laB doch endlich diese Nacht zu Ende gehen.”

* “Ana Sem Terra”, L&PM, Porto Alegre, Brasil. Warum auf Morgen warten?, BKV-Verlag Mettingen-Verlage der Ev.Luth. Mission, Erlangen, Deutschland.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895