Um Encontro de Titãs na Fiergs

Um Encontro de Titãs na Fiergs

Crítico Chico Izidro analisa o show histórico dos sete membros da formação original da banda paulistana, que se apresentaram dia 6, em Porto Alegre

Chico Izidro

Guitarrista Liminha e Arnaldo Antunes em ação no show histórico dos Titãs na capital gaúcha

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No sábado, 6 de maio, encarei uma forte chuva, mas põe forte nisso, para assistir o show dos Titãs no estacionamento da Fiergs, em Porto Alegre. Não foi o primeiro espetáculo que vi tomando água na cabeça, vide Astaroth no antigo Araújo Viana, em 1985, Rolling Stones no Beira-Rio em 2016, Roger Waters no mesmo local em 2018 (bem que sendo Waters não teria como ser diferente). Além disso, sendo este show da banda paulista um encontro de todos os seus membros de sua formação clássica com exceção de Marcelo Fromer, morto em 2001, fui um dos privilegiados que pude ver mais do que uma apresentação - muita gente na plateia comentava estar vendo pela primeira vez o grupo com Nando Reis, Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Tony Bellotto, Branco Mello e Sérgio Britto. Em 1986, na excursão do clássico disco "Cabeça Dinossauro", eu me encontrava no Gigantinho batendo cabeça com aquele trabalho que balançou o Rock Brasileiro nos anos 1980 - e só para exercício de memória, ao sair do ginásio naquele sábado à noite, chovia muito em Porto Alegre. Então não teve nada de experiência inédita para mim neste recente sábado de maio. 

O show estava marcado inicialmente para o Beira-Rio, mas acabou sendo transferido para a Fiergs, o que desagradou muita gente, ocorrendo inclusive muitas desistências de fãs que se recusaram a ir até a zona norte da Capital. E quem não foi deve lamenatar, pois foi um baita show, dividido em três partes. O que irritou muita gente foi o atraso de 15 minutos, pois era muita água caindo dos céus. Houve até início de vaias, até os músicos subirem ao palco. E em sua primeira parte, a apresentação foi explosiva, calcada nos dois melhores discos da banda para mim, "Cabeça Dinossauro", de 1986, e "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas", de 1987, com todos eles, menos o baterista Charles Gavin, se revezando nos vocais. "Diversão" abriu os trabalhos do mais puro Rock'n'Roll pesado. Houve momento emotivo quando Branco Mello pediu a palavra e explicou a rouquidão. “Como alguns de vocês devem saber, tive que tirar um tumor nas cordas vocais, passei por uma operação delicada. Mas estou muito feliz de estar aqui hoje, vivo, falando, e ainda vou cantar pra vocês”, disse ele, assumindo o vocal da faixa “Tô cansado". 

Quando Os Titãs cantaram "Igreja", cantei junto com todo o vigor, pois é a minha música preferida (procure conhecer a letra completamente anti-religiosa e entenderá). Esta música ficou muito famosa nos anos 1980, pois Arnaldo Antunes se recusava a cantá-la. Ele não saia do palco, mas ficava num canto, observando os colegas, e eu vi isso in loco em 1986. Mas passadas todas estas décadas, o vocalista está mais relax, e participa totalmente da execução dela. Teve ainda "O Pulso", onde são citados vários tipos de doenças, "Nome aos Bois" mostrou que a polarização política segue forte - a letra contém apenas nomes de ditadores, políticos de direita, policiais, e no meio delas, ocorreu uma atualização, sendo colocado o nome do ex-presidente da República (e aí quem é apoiador vaiou a banda, e fica meu questionamento, se a banda sempre foi iconoclasta, de tendências esquerdistas, por que as pessoas de posições políticas vão ao show?). A primeira parte acabou com "Cabeça Dinossauro". 

E então veio a segunda parte, que baixou um pouco o ânimo da plateia. Os Titãs foram aos anos 1990, e mostraram sua parte acústica, o que em meio à chuva, incomodou um pouco. Nesta parte, no entanto, ocorreu a participação da filha de Marcelo Fromer, Alice Fromer, que foi convocada para cantar duas músicas: “Toda cor” e “Não vou me adaptar”. Infelizmente, nervosa, acabou desafinando. Porém os músicos apoiaram a garota, que saiu do palco abraçada pelos amigos de seu pai.  
A última parte do show trouxe a fase mais Pop da banda, com músicas como "Marvin", que os músicos disseram ter feito mais sucesso no Rio Grande do Sul do que em qualquer outro lugar.

Antes do final, o peso voltou através de "Porrada", "Polícia", "Aa UU" e  "Bichos escrotos". A chuva deu uma trégua, a banda deu tchau, mas jogo de cena tradicional nos shows, com o público pedindo bis, prontamente atendido. Eles soltaram "Miséria", clássico do Õ Blésq Blom, "Família" e fecharam a noite com o primeiro sucesso, "Sonífera Ilha", com a sua letra enigmática. Quase meia-noite, tive de voltar para casa na zona sul de Porto Alegre completamente molhado (nenhuma peça de roupa chegou seca em casa), mas completamente feliz e rouco. Enfim, o pulso ainda pulsa.

 


Correio do Povo
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